Questão cultural e desenvolvimento; nação e socialismo

Como muitos já sabem, estou em fase final de redação de minha tese de doutorado. O que penso sobre a vida e as coisas ao nosso redor são muito claras para quem me acompanha neste espaço. Acho que devemos, inclusive, ter a coragem de colocar nossa “cara a tapa” acerca de nossa produção intelectual. Por isso, dou uma deixa aos interessados em minhas opiniões, expondo abaixo uma parte de minha pesquisa de doutorado. Mais exatamente o último subtítulo do capítulo 2.

Temos certeza que análises e estudos puramente econômicos, de observações de variáveis “x” e “y” guardam serventia central à observação de dado fenômeno. Mas, com certeza, não é suficiente, pois se trata de um nível de análise que se dá invariavelmente no campo conservador. Também no campo conservador pode-se situar determinadas ênfases em questões de história e cultura. A história sem a economia é sem luz, assim como o “culturalismo” vem aí justificando uma série de atrocidades no campo da ciência. Vejamos a péssima relação weberiana entre o desenvolvimento do capitalismo e a moral protestante.

Com relação a China, essa tradição “culturalista” ganhou peso após lua-de-mel dos intelectuais europeus com as virtudes sintetizadas dos impérios nascidos ao longo dos vales do rio Yangtsé, Ganes e Nilo, “Despotismo oriental”, foi o termo predileto utilizado por Voltaire para (des) caracterizar, por exemplo, o “Império do Meio” chinês. Dessa forma o Iluminismo dava forma a um eurocentrismo que iria influenciar, inclusive, nosso Karl Marx. Com relação a China, seguindo neste sentido culturalista (e muitas vezes racista), poderá ser irresistível a adoção do conceito de “despotismo asiático” para explicar a dinâmica de poder na China, tão caro a Voltaire – por exemplo.

Aliás, Voltaire não fora o primeiro a utilizar este termo, alguma centenas de anos antes, Aristóteles em pleno centrismo helênico, classificou o Império Egípcio e seus similares orientais como variantes de “despotismo oriental”. Aristóteles havia se esquecido que a “democracia grega” havia condenado Sócrates à morte, pelo simples fato de ao analisar a decadência do homem grego, o mesmo havia concluído que decadência humana grega era proporcional à decadência de uma democracia que nunca havia existido. O próprio Aristóteles depois de um tempo teve de se cuidar muito para não ser condenado à morte por esta mesma “democracia”.

Enfim, trabalhar a questão cultural deve ser objeto de muito cuidado e, principalmente como parte de um conjunto que envolvem as “múltiplas determinações” do chamado concreto. Daí sua relação com o desenvolvimento, a história, a economia e principalmente com a luta de classes. Daí as grandes contribuições de Antonio Gramsci e Amílcar Cabral, sendo este último o principal pensador da relação entre relação cultural, libertação nacional e desenvolvimento das forças produtivas.

E é desta forma que se deve fazer a relação entre desenvolvimento e cultura, não somente neste caso, para a China.

2.1.3 China de verdade

Como já dito, visitamos o país em três oportunidades, sendo que na última aproveitamos a distância e a disponibilidade para também passar duas semanas na Coréia do Norte. As duas primeiras visitas serviram para acumular uma série de experiências, entre elas a de que o contato próximo com o “chinês simples” vale mais que uma série de leituras e intercâmbios acadêmicos. Que longas viagens por terra (ou rio) são condição sine qua non para se formar, pelo menos de forma inicial, um razoável intelectual interessado em desvendar algo sobre o país asiático. Evitar meios de transporte como táxi em detrimento de metrô e ônibus é uma ótima pedida.

Assim, a nosso ver, pode-se conhecer a China de verdade. Aquela que “cedo madruga sem esperar a ajuda divina”. Assim compreende, pelo menos inicialmente, a alma de um povo cujo horizonte moral é moldado por uma filosofia confuciana e taoísta surgida em momento histórico quase contemporâneo à filosofia clássica grega. Onde ao mesmo tempo em que uma pessoa se diz marxista, ela reafirma seu budismo, transforma Mao em uma divindade, demonstra costumes confucianos (senso de hierarquia e respeito ao mais velhos) misturados com uma rebeldia típica taoísta.

2.1.3.1. Homem, natureza, ideologia e forças produtivas

Faz-se necessário relembrar alguns pontos já expostos anteriormente. Afinal sem uma boa teoria não se vai muito longe neste processo de infinita aprendizagem.

Pois bem, explicar qualquer fenômeno que esse expressa na subjetividade humana demanda a plena compreensão de uma gama de determinações que formam o concreto. No caso da formação de uma subjetividade humana e nacional de caráter chinês, deve-se se compreender a cristalização de seu corpo filosófico. Muitos, que ainda vagam na fronteira que separa Kant de Hegel, afirma que “pensamento é matéria”. Pensamento não é matéria, mas é consequência da evolução da matéria. Em curtas palavras, o pensamento gerido por determinada sociedade é expressão do nível de desenvolvimento das forças produtivas, do estágio de acúmulo material obtido por diferentes povos e nações.

Surge, então, outra questão – de crucial importância à compreensão – de diferentes dinâmicas sociais: o que são forças produtivas e que tipo de relação elas expressam?

Ora, as forças produtivas expressam o nível de relação intrínseca nas relações entre homem e natureza. Na Crítica ao Programa de Gotha (1875), Marx desfere cortante crítica à conclusão para quem o “trabalho é a fonte primária de toda riqueza”. O maior filósofo de todos os tempos apontou a natureza como a fonte nodal da riqueza. Logo, entrelaçando o surgimento e as características de determinada expressão ideológica e filosófica, a primeira a coisa a fazer é observar as condições naturais de reprodução humana. Abre-se, assim, um campo largo para a devida relação entre forças produtivas materiais e erupção de determinadas ideologias, nefastas ou não, messiânicas ou tolerantes.

Salvo engano no capítulo XIV do Livro 1 de O Capital, Marx faz a devida relação entre trabalho necessário e excedente em diferentes pontos do globo. A partir desta análise Marx viria a provar que o capitalismo triunfou justamente onde as condições naturais eram nada propícias, onde em suas próprias palavras, “o homem teve de dominar a natureza”. Pois bem, onde homem não teve de dominar a natureza, ao contrário bastava um convívio pacífico tendo por base grande fonte de água e terra, o trabalho necessário para a reprodução humana era muito menor que em espaços desérticos ou árticos.

Pois bem, os grandes vales férteis entre os rios Amarelo e Azul (China), Ganges (Índia), Nilo (Egito) e dos rios Tigre e Eufrates (Mesopotâmia) são considerados como os berços civilizacionais. “Civilizacionais”, o sentido, mais amplo do termo, pois a tranquila convivência entre homem e natureza permitiu tanto saltos espetaculares no desenvolvimento das forças produtivas (surgimento precoce, cerca de quatro mil anos atrás, de economias mercantis dadas os crescentes excedentes de produção agrícola e da invenção do arado de boi), quanto (e consequentemente) o surgimento de filosofias tolerantes e civilizatórias (taoísmo, confucionismo e hinduísmo). No oriente o individuo é parte da natureza, que por sua vez é o centro do mundo. Na China, por exemplo, a influência deste tipo de expressão filosófica/ideológica pode ser percebida nos inúmeros quadros e desenhos que se vendem em lojas ou mesmo nas ruas onde uma verdadeira “ode à natureza” é descrita.

Abrindo parêntese, eis o sentido histórico da proclamada “sociedade socialista e harmoniosa” perseguida pelos atuais herdeiros de Mao Tsétung no poder central do país. Harmonia entre homem e natureza…

Interessante notar que Sócrates, Platão e Aristóteles, fundadores da moral ocidental, sistematizaram propostas comportamentais semelhantes e quase contemporâneas a de Confúcio e Laotsé. Cabe a nós nos perguntar, pesquisadores ou simplesmente “curiosos”, a razão pela qual enquanto o confucionismo e o taoísmo estarem ainda presentes e vivos na formação moral do povo chinês, no ocidente os fundadores da moral ocidental (filosofia clássica grega) estão devidamente colocados na lata de lixo da história. Interessante elucubração. De imediato deixo a dica para irmos além de Michel Foucault que brilhantemente, apesar de descobrir o desdobramento da subjetividade ocidental na lógica do “vigiar e punir” não apontou os verdadeiros mecanismos do desenvolvimento histórico desta anomalia superestrutural.

Mudando foco, analisando os fenômenos desta forma não fica complicado de entender que o surgimento de filosofias de tipo “destino manifesto”, “povo eleito” e afins são produto de regiões do globo onde o homem teve de arduamente dominar a natureza. Por exemplo, do Mediterrâneo Orienta se espraiando à Europa Ocidental. Este tipo de relação dominadora ante a natureza levou o homem europeu acidental a transitar do escravismo ao feudalismo, daí até a pequena produção mercantil num ritmo histórico muito mais demorado que nos “berços civilizacionais”. Porém, com resultados que desembocaram numa transição ao capitalismo como necessidade histórica e espacial ao contrário de regiões como o Sudeste Asiático, onde a “generosidade da natureza” não levou o homem a pensar em meios e maneiras de multiplicar ganhos de produtividade, nem tampouco, em formas de dominar terceiros territórios.

Daí de um lado a atual batalha entre imperialismo de um lado e, de outro, da “ascensão pacífica” entronizada pela atual liderança chinesa.

2.1.3.2. Relações diversas

Vamos tentar dar um pouso definitivo no concreto, tentando relacionar os postulados da filosofia clássica chinesa com o dia-a-dia do chinês comum.

O trabalho começa bem cedo. Praticamente, de segunda a segunda, desde as sete da manhã percebe-se um movimento denunciando a abertura do comércio. Sendo um local onde a economia de mercado surgiu há milhares de anos, não é de tortuosa constatação o fato de num hutong com pouco menos de um quilometro, existir mais estabelecimentos comerciais que quase na totalidade da rua do Catete no Rio de Janeiro. Também, fica mais tranquilo entender a ferocidade comercial chinesa e o sucesso do “socialismo de mercado” por estas bandas. Os chineses apreenderam que a melhor maneira de levar a melhor nesta contenda de dimensões históricas (imperialismo x socialismo) é engolir o imperialismo comercialmente. Aliás, Lênin percebeu que era por aí (comércio internacional) que a transição poderia iria ser resolvida.

Tanto o confucionismo quanto o taoísmo surgem de bases sedimentadas sob uma rústica dialética (ying e yiang) e um materialismo (muito) mais avançado que de Feuerbach, formando uma base teórica/histórica de uma “ideologia do trabalho” disseminada, por exemplo, ao Japão. A existência de deus é algo estranho a um chamado “reino dos céus”, espiritualista, mas não deísta. A hierarquização do poder desde a base familiar até o topo do poder estatal é sustentada pela “experiência adquirida” e a “capacidade de prover o bem comum”. Daí, em Confúcio ser importante a “ordem na casa”, mas sob o requisito do merecimento e do “poder celestial” ser “revogável pelo povo”. Abrindo parêntese, conversas e dicas de nosso orientador tem nos alertado de que todo povo e/ou nação é marcada por certos níveis de religiosidade. Por exemplo, em países como a Índia, os Estados Unidos e Inglaterra, o nível de religiosidade (que não significa simplesmente fé religiosa no sentido protestante ou hindu da constatação) tem grande repercussão na subjetividade popular, enquanto que na China o papel da religião tem pouco valor na formação de seu povo. Valores morais e materialistas tem grande peso. Ouvimos de um professor chinês da Academia de Ciências Sociais que a religião chinesa é a “nação”. Daí um mix entre o self made man chinês e sua consciência perante o futuro da nação e da centralidade do desenvolvimento neste processo de “rejuvenescimento” da nação chinesa.
Retornando, pode parecer estranho às gerações atuais ocidentais ver um “velhinho” de noventa anos abrir a boca e todos ao seu redor ficar quietos. Assim como considerar Mao Tsétung um “ditador” quando, a bem da verdade, sua “deificação” é “eterna enquanto dura”. Importante salientar isso, pois se o ocidente credita às reformas de 1978 o sucesso da China de hoje, para o povo, o “trabalhador que lê” chinês (além dos atuais herdeiros de Mao) tem muito bem em conta que 1978 é continuidade de 1949 e que sem 1949 não existiria 2009. Isso significa que o termo “ditadura” para os chineses é algo estranho na caracterização do regime, o que sugere que o retrato de Mao que domina a Praça Tianamen continuará por lá enquanto Hu Jintao e as próximas gerações dirigentes forem capazes de tocar adiante essa nação de alguns mil anos. Na cabeça do povo, do camponês mais simples, o regime iniciado em 1949 é mais um capítulo de uma história milenar de continuidades e rupturas. Por isso, insistimos em colocar o atual processo como parte do desenvolvimento de um Estado Nacional unificado há 2.500 anos atrás. Eis o desenvolvimento como o motor de um projeto milenar e vivo na subjetividade popular. É muito claro para o chinês comum a história de seu país e o que significa os acontecimentos de 1949 e o pedestal reservado a figura de Mao Tsétung; muito mais querido pelo povo que seu sucessor Deng Xiaoping.

O taoísmo que se conhece no Brasil é aquele que busca a harmonia humana a partir de um contato benéfico com a natureza. É isso aí, mas diferente do confucionismo (apesar de não negá-lo – preocupado com estado das coisas no âmbito da administração pública (ética, por exemplo, expresso no fato de o instituto do concurso público existir por aqui há cerca de 1500 anos, daí o nível de excelência e capacidade política dos dirigentes do Estado e do Partido Comunista da China – PCCh) – o taoísmo engendrou na subjetividade do camponês simples chinês, um presente estado de rebeldia e sentimento de justiça tão caros à nossa formação cotidiana, seja no Brasil, seja na China. Isso se revela no dia-a-dia em verdadeiros “quebra-paus” entre as pessoas comuns contra alguma autoridade policial (que justamente por esse motivo não anda armado por aqui, ao contrário das “democracias” ocidentais”) ou diante de algum comerciante mais experto.

A relação entre desenvolvimento e “questão cultural” também está presente em manifestações populares ante as “dores do parto” de todo esse processo histórico que se acelerou em 1978. As desigualdades sociais tem no crescente culto a figura de um líder camponês e igualitarista como Mao Tsétung uma forma de manifestação. Suas fotografias estão cada vez mais presentes em residências e estabelecimentos comerciais localizados tanto nos hutongs do centro de Pequim, quanto em aldeias camponesas localizadas em áreas de solo fértil e que, portanto, se enriqueceram de forma mais acelerada do que em outras regiões do país. Por conta do acentuamento das diferenças sociais e regionais, ouvimos muitas declarações de repúdio ao governo de Jiang Zemin. Ao contrário da dupla Hu Jintao e Wen Jiabbao, muito populares por conta da atual disposição de se enfrentar as desigualdades. A questão social ganha força no país, daí a figura de Mao cada vez mais em alta em grandes centros como Xangai e mesmo Shenzen, nos “fundos de Hong-Kong”. Não foram poucas as pessoas que pudemos conversar na China que relacionaram esse “ressurgimento” ao culto de Mao Tsétung aos problemas do desenvolvimento, afinal a China está muito longe de ser um “paraíso”. Neste sentido a questão cultural impulsiona mudanças de postura da superestrutura de poder para com o desenvolvimento e suas implicações.

A história demonstra que mudanças de postura dos condomínios de poder instalados só advém de pressões “de baixo”. E a própria historia chinesa é testemunha concreta deste tipo de movimento.

2.1.4. Nacionalismo, socialismo e desenvolvimento

A repulsa do chinês comum para com a desigualdade social não é de difícil explicação. A não naturalização do fenômeno da desigualdade social pode ser reparado na própria forma que os chineses se relacionam consigo mesmos. Por exemplo, em épocas de calor que assolam Pequim nesta época do ano não é incomum presenciarmos almoços e jantares ao ar livre, numa clara reminiscência das comunidades agrárias, igualitaristas e milenares chinesas. O fator “camponês” está presente nos pratos servidos a céu aberto: uma quantidade enorme de comida, parecendo um lar interiorano brasileiro em que se serve, no café da manhã, além de pão com manteiga, um delicioso mix de “café com bolo de fubá”. É a “China Profunda” nos quarteirões muito próximos do portão de entrada da Cidade Proibida. É a antítese ao fenômeno da individualização muito presente nos “novos ricos” chineses. Porém, os chineses têm plena consciência que o enfrentamento das contradições do processo de desenvolvimentos não serão solucionadas com políticas de contenção da demanda. È nesse sentido que o nacionalismo presente na subjetividade chinesa entrelaça-se com o desenvolvimentismo e a própria construção do “socialismo com características chinesas”.

Desde o momento em que demos os primeiros passos no objeto de estudo da China, nos acostumamos com um crescente grande senso comum acerca da mudança de postura do regime na década de 1990, de abandono da ideologia socialista em pról de uma radicalização de conteúdos subjetivas nacionalistas. É válida essa constatação, mas não deixa de ser uma maia verdade. É meia verdade na medida em para o próprio Marx, a maximização das forças produtivas tem centralidade ante o objetivo estratégico de se superar a divisão social do trabalho. Em nossa opinião, o nacionalismo, aos países periféricos, é a grande expressão cultural e subjetiva de uma certa “ideologia do desenvolvimentismo”, seja tal ideologia com vertente latino-americana ou chinesa. Mais, o nacionalismo é a essência do desenvolvimentismo quando transformada em teoria econômica e mesmo como causa e consequência da “questão cultural” na periferia do sistema. Lênin, em meio ao intenso debate acerca da NEP, replicou seus oponentes afirmando, pragmaticamente que os bolcheviques serão reconhecidos como melhores e mais competentes na mesma proporção em que dispuser – forma mais diligente e desburocratizada – que seus antecessores – crédito. E o crédito não o motor do desenvolvimento capitalista e, também, socialista.? Não é assim, enriquecendo os camponeses, que o PCCh pode sair vitorioso do vendaval contrarrevolucionário de junho de 1989, em Tiananmen? Neste sentido qual a contradição entre nacionalismo e socialismo?

Procedemos a uma pesquisa acerca das preferências religiosas e políticas chinesas. Ouvimos por volta de 40 cidadãos, sendo que de cada sete pessoas, pelo menos cinco não são empresários, comerciantes, acadêmicos ou membro do PCCh. Para mais de 60% dos entrevistados ao serem inquiridos se eram se é comunista, a resposta era positiva, Perguntados acerca da fé budista, idem em quase 30%. Inquiridos sobre Confúcio, simplesmente todos se colocavam como seu seguidor. Lao Tsé, para 90% foi “um grande homem”. Ou seja, a um marxista educado pelos manuais soviéticos produzidos na época da decadência ideológica do regime, algo pode parecer estranho. Mas, não é.

Substanciando, tal questionário nos deu certeza de que tudo que é externo à China acaba que por ser absorvido e subsumido ao materialismo intrínseco ao confucionismo e ao taoísmo. Por exemplo, o budismo que nasce na Índia e ganha uma expressão ultra-reacionária no Tibet, na China han se torna algo contraditório com o marxismo. Ao contrário, pois o “budista” chinês sempre foi um agricultor livre ao contrário do camponês cristão ortodoxo russo que sempre fora um servo. Logo, independente de haver reencarnação ou não, o importante é realizar a prosperidade e mesmo a “prosperidade comum” (valor moral este muito caro aos chineses) em Terra. Outro exemplo desta absorção e não supressão de influências externas: os muçulmanos chineses são os únicos que comercializam álcool e onde aos homens somente é permitida uma única companhia feminina (e não “sete”). É o “islamismo com características chinesas”. E o conjunto que forma a subjetividade chinesa e por onde se assenta o desenvolvimentismo e o nacionalismo como ideologia da época histórica em que vivemos.

Por fim, num outro nível de abstração; onde se relaciona a compreensão da “nação” como a “religião chinesa” (questão nacional), mais a capacidade do governo em prover novas fronteiras de acumulação aos seus camponeses e empreendedores, mais o fato de a derrocada da China como potencia no passado estar em consonância com o advento do capitalismo, do imperialismo e da “lei do desenvolvimento desigual e combinado”, remetemos outras questões acerca da tal contradição entre socialismo e nacionalismo na China:

1. Será que a simpatia do chinês comum pelo marxismo não tem ligação direta com o fato de o próprio desenvolvimento capitalista ter sido negada ao país como forma de se retomar um chamado “rejuvenescimento” da nação chinesa entre a brutalidade ocidental entre 1839 e 1949?

2. Existe contradição entre o discurso socialista e o nacionalista, na medida em que a história recente tem demonstrado que somente pela via socialista seria possível o “rejuvenescimento” da nação chinesa? 

1. Qual a contradição entre a máxima da 3º Internacional da junção entre o nacional e o popular tendo o desenvolvimento das forças produtivas como feixe central?

4. Não é de se pensar que a “era do imperialismo e da revolução proletária” não é coincidente com a realização de um processo histórico em que o homem, muito a frente do “homem da caverna”, mas ainda longe do “homem novo”, passa a se reconhecer como um “ser nacional” de forma que suas atitudes em nome da autoreprodução não estão em concomitância com a centralidade da questão nacional no rumo de uma estratégia socializante?
Estamos convencidos de que as respostas a essas questões poderão abrir um grande relevo de debate aos interessados em relacionar o desenvolvimento com a “questão cultural”. Pelo menos na periferia capitalista.

Nota

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