Reflexões sobre futebol e política
Ensaia-se uma reaproximação com a classe média na região Sudeste. É difícil, mas percebe-se uma certa acomodação e aceitação com o que o Lula representa e embora aqui registre-se os menores índices de popularidade de seu governo, começa a haver uma mudança.
Publicado 05/03/2010 00:49
A exatos cem dias do início da Copa do Mundo, o "planeta bola" é sacudido por inúmeros amistosos que chamam a atenção de todos os admiradores deste esporte. E olhe que não são poucos… Este tema seria um importante assunto para abordarmos aqui nesta humilde coluna.
O futebol é assunto que chama a atenção e divide opiniões tanto lá como aqui. Quem não gostaria de opinar sobre o que acontece com o grande Palmeiras de Beluzzo? Ou sobre a performance do inesperado Obina? Mas contudo, peço licença aos poucos leitores para fazer uma breve digressão sobre um tema que considero importante para a relação entre o nosso país e o continente africano.
Evidentemente que sendo 2010 um ano eleitoral, somos muito abordados pelos amigos que temos por aquelas bandas para opinar sobre esta realidade, que tem como fato novo, mas não inesperado, a subida da ministra Dilma nas pesquisas. Os dados tiram o sono dos tucanos e ao mesmo tempo animam aqueles que, como eu, nutrem bem mais que simpatia com relação à continuidade das mudanças e dos rumos obtidos ao longo dos dois mandatos do presidente Lula. Será que esta subida nas pesquisas, para muitos ocorrida antes da hora, garante alguma coisa? Será que isso não estimulará, sem nenhum trocadilho, o "salto alto"? Na verdade, não dá pra responder pelos outros, mas eu acho que este risco ocorre sim e respondo a primeira pergunta negativamente. Não, não acho que está decidido. Acho que ainda há muita para ser feita e muita água ainda vai rolar por baixo desta ponte.
Mas vamos lá: o neoliberalismo teve sua década de apogeu no país quando iniciado por Collor em 1990. Mesmo após sofrer uma redução no ritmo de sua aplicação pelo desastroso governo Itamar Franco, foi assumido e efetivado pelo dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, que praticamente parou o país, seguindo a cartilha do Império, que preconizava, a partir de uma demonização da inflação, um desmonte dos estados nacionais reduzindo-os a mero espectador do "Deus Mercado" que tudo podia.
O objetivo do capitalismo imperial, nós sabemos, era enfraquecer e em certos casos destruir estados nacionais, acusando-os de impedidores do "progresso" da "humanidade" para evidentemente reverter a tendência objetiva da redução das taxas de lucro. Aliá,s interromper, reverter e aprofundar seus ganhos com o chamado capital especulativo. Esta política ideológia do imperialismo tinha como um dos seus alvos principais a desmoralização, através de ataques cruéis e initerruptos, do funcionalismo público e do serviço público como um todo.
Naquela década, parecia que aos olhos deles os servidores eram o mal maior a ser combatido. Propaganda ideológica que deu argumento para as privatizações em numero recorde aqui no Brasil, realizadas pelos tucanos e cia.
Mas isso não se deu sem resistência. A luta foi cruel e cruenta. O PCdoB, partido que atuou desde a primeira hora nesta luta, não estava sozinho, outras forças de esquerda e personalidades nacionalistas resistiram, e muito. Muitos cassetetes e bombas de gás foram atiradas nos bravos militantes destas organizações que consequentemente tiveram nos servidores públicos sua base social principal. Quem não lembra da heróica greve dos Petroleiros entre outras?
A base social da resistência que esses partidos travaram foi, sem dúvida, em sua ampla maioria esse seguimento que no Brasil é e sempre foi forte, se solidificando durante as décadas de 70 e principalmente 80 do século passado. Pois bem, tais seguimentos junto aos trabalhadores fabris e os chamados setores organizados formaram a base social que permitiu, ou pelo menos contribuiu bastante com a vitória do Lula em 2002.
Porém, logo em seguida o governo Lula foi posto a prova. Sob pressão mundial, desconfiança das elites e até de setores organizados da sociedade e cercado por grande expectativa, o governo Lula tomou medidas polêmicas e até contraditórias com a luta travada com este seguimento. A reforma da Previdência foi o embate emblemático.
O governo ao tomar tais medidas foi elogiado por uns e duramente criticados por outros. Neste 'outros' estava parte ou a grande maioria da base social que pavimentou a resistência ao neoliberalismo na época.
Mas houve um divórcio, até prematuro, que originou em parte na fundação do PSOL.
Lia-se nos jornais apelos e editoriais dizendo que não havia diferença entre a politica econômica dos tucanos e a do PT no governo. Isso fez objetivamente com que a defesa do governo fosse recheada com setores da classe média, classe média alta e parte da elite. Estas duas últimas acredito que até a contragosto. Portanto, houve uma mundança, alteração na base social do governo e também do PT.
Ao mesmo tempo que a figura do Lula, tal qual aconteceu com Getúlio Vargas no passado, se aproximava mais e muito mais das massas pobres, o governo na contradição interna dava mostras que sucumbiria aos encantos da parte conservadora em seu interior.
Como não poderia deixar de ser, a luta entre essas tendências internas, que ocorre muitas vezes independente de casualidades, também às vezes são alteradas por tais fatos. Surgiu então a crise do "mensalão", por assim dizer.
Esta crise, artificial ou não, plantada ou não, terminou por tornar o governo alvo da já desconfiada classe média alta, que polarizada e instruída pelos órgãos de imprensa — que nunca foram e jamais serão Lula e ou PT e/ou Dilma nem nesta e nem nas próximas eleições — tornou-se ainda mais raivosa.
Eu próprio fui testemunha de ataques sofridos por lideranças do PT em restaurantes, episódio como outros tantos ocorridos durante, por exemplo, a votação de 2006.
Pois bem, esta situação obrigou fortemente ao governo e ao PT se apoiar mais decididamente no povo. No povo pobre que em última instância foi o que garantiu a nossa vitória em 2006.
Lula hoje é um mito no Nordeste/Norte, fenômeno parecido com Arraes da década de 60/70. Adorado pelo povo pobre e pela classe média emergente naquela região. Esta realidade puxa os índices de popularidade de seu governo a níveis extraordinários.
E o que é melhor: a reação do governo frente a crise mundial do capitalismo que matou e enterrou o neoliberalismo foi elogiada. Hoje, Lula é o presidente da moda no mundo. Cortejado e bajulado por muita gente "graúda", os chamados por ele próprio de "olhos azuis".
Ensaia-se uma reaproximação com a classe média na região Sudeste. É difícil, mas percebe-se uma certa acomodação e aceitação com o que o Lula representa e embora aqui registre-se os menores índices de popularidade de seu governo, começa a haver uma mudança.
Será que esta mudança ocorrerá em ritmo suficiente para benificiar a candidata Dilma?
O que sabemos é que Dilma não é o Lula obviamente e que é necessário muito mais que carisma para conquistar este eleitorado fundamental para a eleição de qualquer presidente ou presidenta.
Sem os setores médios não se ganha eleição. Vejam vocês que o Bloco de Esquerda e partidos democráticos que deram e dão sustentação ao governo Lula não ganhou nenhuma eleição no 1º turno. Mas perdeu duas em 1º turno. Será preciso construir um discurso para sensibilizar e atrair a classe média para o palanque da Dilma.
Essa turma quer ter melhores condições e qualidade de vida, que se preocupa com o meio-ambiente até por que acha isso "chic". Que quer ter crédito para comprar e quer acima de tudo ser empreendedora do seu próprio futuro.
Esta parcela precisa ser conquistada para que este projeto consiga ser vitorioso e consolidar as mudanças conquistadas, que não foram poucas, e ampliá-las no sentido do desenvolvimento nacional.