Res, non verba!

Numa tradução livre seria “o que interessa são os fatos, não as palavras”! A expressão latina me parece apropriada para uma análise mais cuidadosa do que estamos vivenciando no nosso país e em cada região em particular, especialmente tomando como referência dois fatos políticos recente da maior importância: as eleições municipais e o julgamento do “mensalão”.

Embora a estatística seja uma ciência exata ela admite uma extraordinária margem de manobra, reforçando a síntese de Pasteur para quem “a ciência era neutra, o cientista não”. Assim, seja o balanço eleitoral ou o veredito do “mensalão”, cada um pode interpretar esses dados à luz de sua conveniência e “vender” o resultado de acordo com o seu interesse particular.

Mas isso são palavras, interpretações, não os fatos!

Alguns se espantam porque o julgamento do “mensalão” coincidiu com o período eleitoral e veem nesse fato uma manobra para prejudicar os partidos da base e especialmente o PT; outros estranham que o chamado “mensalão” mineiro, precursor desse modus operandi e que envolve o alto escalão do PSDB, até hoje não tenha ido a julgamento; há ainda os que vociferam contra uma prática jurídica que afronta a constituição e a tradição forense ao se aceitar que o STF julgue e condene pessoas sem a necessária prova material concreta; e há, claro, a direita, que vê nesse julgamento um acerto de contas de classe contra um grupo que ousou desaloja-la do poder após 500 anos de história desse país; e também há os que acreditam que o supremo efetivamente relativizou nas provas e se ateve à versão, mas tal prática se justificaria diante do “clamor” popular;

É um precedente perigoso que nos remete, incontinenti, ao famoso poema de Bertold Brecht quando de sua denúncia contra os métodos da polícia nazista. Disse o dramaturgo alemão: “primeiro eles vieram e levaram os comunistas, não protestei, eu nem mesmo simpatizava com esses subversivos; depois eles prenderam os sindicalistas, pensei: são agitadores; quando levaram os estudantes eu até fiquei contente por me livrarem desses baderneiros; os padres, dei de ombros, eu não sou católico; foi então que eles chegaram pra me levar e eu não tinha sequer a quem pedir socorro porque todos já estavam presos”.

Por outro lado esse fato talvez sirva para eliminar a ilusão de tantos que ainda imaginavam ser possível alterar o conteúdo do estado, sem alterar efetivamente a correlação de forças. Os que haviam esquecido que o estado nada mais é do que um instrumento de dominação de classes tem uma excelente oportunidade para refletir sobre esse exemplo prático, onde todas as estruturas do estado se orientam por uma pauta comum e agem de acordo com um interesse específico.

A convergência para fazer valer o interesse de classe da burguesia já se expressa há muito tempo na peleja eleitoral. E o “vale tudo” que geralmente a direita aplica em seus métodos de campanha acaba reduzindo ou contendo o avanço das forças progressistas, como se pode constatar pelo resultado das batalhas eleitorais, embora de pronto destaco que é muito distinto o resultado expresso nos 5.561 municípios quando comparados com o seleto grupo das 85 maiores cidades do país (o G85). Parece-me mais prudente analisar o resultado desse grupo específico.

Nas eleições de 2008 o PT, PSB, PDT, PCdoB e PMDB que compõe, digamos, o bloco mais ideológico de sustentação do governo elegeu 55 prefeituras do chamado G85 e caiu para 47 em 2012. A direita ideológica (PSDB, DEM, PPS) elegeu 18 cidades desse grupo em 2008 e avançou para 23 nestas eleições, enquanto os demais partidos oscilaram de 12 para 15 cidades no mesmo período. Não devemos nos empolgar com o resultado geral e sim ter atenção a essa zona crítica, na qual praticamente voltamos ao patamar de 2000, ano em que elegemos 45 cidades.

No caso particular de Manaus tivemos uma eleição duríssima, caracterizada pela unidade absoluta das forças de direita – por todos os meios e instrumentos – em torno da candidatura de Artur Neto (PSDB) enquanto o nosso campo se dividia internamente, embora aparentemente estivesse unificado em torno da candidatura de Vanessa (PCdoB) e de Vital (PT). No 2º turno a chapa da direita (PSDB-PPS) recebeu o apoio, além do PDT do prefeito Amazonino Mendes, do PR (Henrique Oliveira), do PSB (Serafim Correa) e do DEM (Pauderney Avelino), que ficaram em 3º, 4º e 6º lugares. Recebemos o apoio do PTB (Sabino Castelo Branco), que ficou em 5º lugar. Como é fácil perceber a maior parte dos partidos da base apoiaram a direita, consequência natural da aliança informal que mantiveram por todo o 1º turno quando coube a esses partidos fazer o trabalho sujo de nos atacar para facilitar a campanha dos tucanos.

O alinhamento das forças de direita possibilitou que o seu candidato agisse com tamanha desenvoltura que seus cabos eleitorais agrediram a nossa candidata e eles conseguiram passar para a sociedade – com ampla guarida na imprensa – que tudo não passou de uma “armação”. No segundo turno um major PM, a seu serviço, usando um carro oficial da Polícia Militar e se apresentando como fiscal do TRE tentou invadir uma reunião de pastores e lideranças da Assembleia de Deus em apoio a nossa candidata, sob o pretexto de recolher um vídeo público que eles consideravam prejudicial ao seu candidato. Nada lhe aconteceu.

Um balanço mais detalhado será feito em breve pelo Comitê Estadual, mas tudo indica que a unidade da direita e a divisão das lideranças do nosso campo, bem como o expresso sabotamento de alguns “aliados” foi o fator determinante para a derrota, não apenas por proporcionar um ambiente que permitiu a direita agir o tempo todo na ofensiva, como inviabilizou a militância de esquerda e o movimento popular de fazer uma campanha de caráter mais militante.

De qualquer sorte, quando se ganha, são tantos os responsáveis pela vitória que às vezes o seu único mérito – se é que lhe permitem algum – é ter aceitado concorrer. Mas, ao contrário, quando se perde, você é o único responsável. E é assim nós trataremos o assunto.

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