Revendo o filme “Santo Forte” de Coutinho

A religião retratada pela obra “Santo Forte”, de Eduardo Coutinho, uma entrevista de Coutinho feita por sua equipe, um resgate a Man Ray e o filme “Mon oncle d’Amérique”, de Alain Resnais

Cena do filme "Santo Forte", de Eduardo Coutinho

Esse filme de Eduardo Coutinho está fácil para se ver. Tem no YouTube. Mas eu cheguei a ele agora pela conversa que tive com o cineasta Helder Pessoa Lopes, que me falou na importância que tem o programa “Cinema em Casa com o Sesc”, que coloca bons filmes brasileiros e estrangeiros à disposição on-line e gratuitamente. “Santo Forte” de Eduardo Coutinho é um que está disponível no momento.

Não é um dos produtos mais ilustres de Coutinho. Nessa visão que tive agora ficou distinto para mim que se trata de uma obra pobre do ponto de vista cinematográfico. Quero dizer, foi uma produção pobre sem muitos recursos. Mas o cinema de Coutinho é de uma riqueza sempre especial e assim o filme não se perde. Inclusive ganhou vários prêmios no Festival de Gramado e no Festival de Havana e na APCA – Associação de Críticos do Rio de Janeiro.

O que se pode destacar agora me parece o fato de que todos os seus personagens são simplesmente habitantes da Vila Parque da Cidade no Rio de Janeiro. Coutinho entrevistou sobre o tema principal da religião pessoas inteiramente comuns dessa localidade pobre do Rio. Embora seja um trabalho cinematográfico simples, o de Coutinho, o fundamental é que há algo no filme que é uma particularidade do cinema deste cineasta. Todo mundo fala e responde às perguntas com extrema veracidade. O que eles dizem é verdade. Eles acreditam no que estão afirmando. E isso em função de todo o mundo saber dessa capacidade extraordinária de entrevistar que Coutinho tinha. Pode não ser um grande trabalho antropológico ou sociológico. Mas sempre será fundamental para mostrar o que uma pequena comunidade do Rio pensa.

Eduardo Courinho é um dos maiores cineastas do Brasil e seu cinema sempre será fundamental. Desde o filme mais conhecido “Cabra marcado para morrer” – uma obra ligada fundamentalmente à História do país – até talvez o mais simples “Santo Forte”.

Olinda, 13. 07. 2021

Entrevista com Eduardo Coutinho

Cineasta Eduardo Coutinho I Foto: Reprodução

O entrevistador cineasta Eduardo Coutinho foi entrevistado pela sua própria equipe, tendo como a pessoa que encaminha perguntas o jornalista Carlos Nader. Esse filme está no programa do Sesc Cinema em casa e merece ser visto.

Na verdade, penso que uma entrevista com Coutinho deveria ser inteiramente livre de amarras e colocar simplesmente um câmera perto dele para ir registrando quando ele falasse. Com um bom sistema de som. Talvez os fotógrafos que moram em Paris e vivem fazendo programas sobre a cidade pudessem ter documentado Coutinho de forma melhor. Sem cortes, como eles dizem. Coutinho era um cineasta muito intuitivo e o sucesso de público talvez tenha mesmo o prendido para se situar melhor. Claro que esse filme “Eduardo Coutinho, 7 de outubro” é importante. Mas é mesmo muito pouco para o tanto que se poderia descobrir a partir da fala do cineasta. O filme dele não deveria ter cenas dos seus filmes.

Olinda, 18. 07. 2021

Lembrando Man Ray

Man Ray I Foto: Hulton Archive/Getty Images

Man Ray é o nome artístico do norte-americano Emanuel Radnitzky, que nasceu na Filadélfia em 1890 e morreu em Paris em 18 de novembro de 1976. Embora ele tenha atuado nos Estados Unidos e participado do grupo Dadaísta de Nova York, era reconhecido muito mais como um artista europeu. Pintava, mas o maior sucesso foi feito com seus filmes surrealistas. Um deles tem um pouco menos de 3 minutos de duração e se chama “O retorno à razão”, e o que podemos sentir ou entender do que está mostrado é como se a razão fosse algo que se dá através do movimento mecânico. Man Ray sentia o movimento cinematográfico ou mesmo não cinematográfico como um princípio não vindo da dimensão estrutural mental. Algo que vinha ou vem do movimento impessoal. Eu estou falando em Man Ray, mas para simplesmente lembrar aos estudantes de hoje que nesse cinema feito nos anos 20 ou um pouco mais do século XX se encontram bases para o melhor entendimento inclusive do que é a razão. O Centro Georges Pompidou de Paris produziu um filme de duas horas de duração com muitos filmes de Man Ray e esse filme está no site Making Off.

Olinda, 16.07. 21

Meu tio da América

Cena do filme Mon oncle d’Amérique

Eu já vi esse filme “Mon oncle d’Amérique” de Alain Resnais várias vezes. E sempre me sinto um tanto estranho para entendê-lo. Penso que dessa vez me aproximei mais. Pude revê-lo no programa Cinema em casa do Sesc.

O cineasta Alain Resnais é um dos mais importantes do cinema francês da segunda metade do século passado. É considerado como participante do movimento Nouvelle Vague. Embora a Nouvelle Vague tenha muito mais a ver com Godard e Truffaut. No meu modo de ver, Resnais é um cineasta tradicional, porém aberto à renovação. Mas um profissional ainda tradicional. Vanguarda mesmo são figuras como Godard e Truffaut.

O que marca fundamentalmente a produção de Alain Resnais são os dois filmes que ele realizou a partir do escritor Alain Robbe-Grillet, “Hiroshima mon amour” e “L’année dernière à Marienbad”. Tem um curta que também o marca com muita força, “Nuit et Brouillard” (Noite e neblina), que foi inclusive lançado em DVD aqui no Recife, quando Ricardo Carvalho e Ernesto Barros tinham uma gravadora de filmes.

Mas de certa forma pesa sobre a aura de Alain Resnais a ideia de que ele é mais pretensioso do que mesmo complexo. Seu cinema quer aparentar uma profundidade que nem sempre é encontrada. Na minha visão crítica pessoal, continuo a pensar que se trata de um cineasta com uma produção de grande valor cultural.

Esse “Meu tio da América” eu sempre pensei nele como uma obra de bom cinema. Um tempo pensei que havia sido inspirado na obra de Franz Kafka, “América”. E provavelmente Resnais pensou em “América” quando imaginou sua obra “Mon oncle d’Amérique”. O roteiro do seu filme foi escrito por Jean Gruault e por Henri Laborit. Este é um cientista e sem dúvida foi o principal inspirador do filme. O que o torna uma obra menos artística e com muita presença de quem quer descobrir caminhos para analisar a maneira melhor do ser humano se relacionar. De uma sequência teatral que criam e é construída no início do filme tenho a impressão de que é uma espécie de trambolho para o espectador. Não é fácil acompanhar tudo aquilo que está sendo dito e que deve ter sido pensado pelo cientista Laborit. Com o desenvolvimento dramático do filme então chegamos mesmo a uma espécie de simples melodrama que acontece entre figuras da burguesia industrial francesa.

A sorte é que Alain Resnais é um cineasta muito competente e se acompanhou de grandes atores como Gérard Depardieu e Nicole Garcia e vários outros, e assim fez com que o filme mantivesse uma bela aparência. Deixando certos caminhos seguidos pelo cientista Laborit de lado.

Olinda, 18.07. 2021

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