Saí do Pavilhão Covid-19, vi o Brasil e quero voltar

De regresso ao Bom Retiro, o Poeta nos envia a crônica abaixo, estupefato com a situação do Brasil:

Foto: Luiza Moraes / Agência O Globo

Ao sair do Pavilhão Covid-19 do Hospital Albert Einstein, fiquei feliz, como é natural, apesar dos bons tratamentos recebidos. Depois de minha alta, no caminho de meu apartamento de quarto e sala, no Bom Retiro, passei pelo Jardim Europa. Ali, por dentre as enormes mansões colocadas à venda, ou para alugar, pelos proprietários falidos ou mudados para Miami, revoavam milhões de pernilongos, em espessas negras nuvens, jamais vistas sequer em Daca, Bangladesh, onde o Rio Buriganga, cemitério, esgoto e manancial, é um primor de limpeza comparado com o Rio Pinheiros. Enquanto continuam a arder nossas florestas e a morrer nossos indígenas e nossa fauna, em casa esperavam-me os jornais do período de 2 meses que passei a trabalho em Portugal e Itália, dedicado às mais sérias pesquisas enológicas de que se tem notícia.

Segundo li, depois de 2 anos, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha o Senador Flávio Bolsonaro, o mais velho dos progênitos belzebus do Capetão, e asseclas. Menos mal, ainda que tenha levado menos tempo para condenar Lula sem provas em duas instâncias e impedir a Presidente da República, sem fundamento legal. Observei também que continua no poder o Capetão, mesmo que com menor aprovação da opinião pública, o qual segue sua agenda terraplanista, negacionista viral, resistente às vacinas, racista, machista, evangélica denunciadora de patológicos pedófilos esquerdistas, pirômana, neoliberal, pró-rentista e neofascista. Continua sem explicação o homicídio de Marielle, após mais de 2 anos.

Chamou-me a atenção que a gasolina tenha tido um aumento de 33%, muito acima da inflação, acumulada em 3,72% no ano, por conta da expressiva retração econômica. Explica-se porque indexada em dólar, por decisão do Posto Ipiranga, o ministro da fazenda do melífluo desgoverno. Qual o porquê, pergunto, se o Brasil era auto suficiente em petróleo até pouco tempo atrás. Com 20 milhões de desempregados, 40 milhões de subempregados e outro tanto de desocupados desesperançados, como indexar produtos básicos no dólar americano? Note-se que, em 2020, a moeda dos EUA já se apreciou 31% face o Real, a divisa que mais perdeu na equiparação. Por que será?

Apesar de o Brasil ser o maior exportador de carnes do mundo, com um rebanho bovino que excede sua população, sem contar com as aves, caprinos, ovinos e suínos, os derivados de carnes e de leite tiveram ajustes de até 46% entre novembro de 2019 e outubro de 2020. Frutas e legumes subiram cerca de 15%. Até pouco tempo, o setor arrozeiro pedia salvaguardas comerciais face à competição estrangeira. Nos últimos 12 meses, os consumidores paulistas pagaram 63% a mais pelo arroz, já que não podem compra-lo na Venezuela, como sugeriu o indiferente Capetão. Mesmo sendo o Brasil o maior produtor e exportador mundial de soja, o óleo da leguminosa já subiu 96% neste ano. Já o feijão está 46% mais caro.

Tudo isso está a ocorrer num ano de pandemia viral, com desemprego crescente e sem uma rede social eficaz de apoio à economia ou aos trabalhadores. A incompetência do desgoverno diabólico e sua ideologia nefasta transformou nosso país numa dependência do inferno! Neste quadro, o Capetão propôs acabar com o Sistema Único de Saúde (SUS), sob protestos do povo. Sem dúvidas, estamos diante de uma nova pandemia, aquela da pobreza, da miséria e da desesperança. Enquanto isso, e pelo tempo que durarem nossas reservas externas, nossos vorazes banqueiros, abutres da carniça do povo brasileiro, ainda mais se enriquecem e enviam seus lucros para o exterior, amentre o Real não despencar. As bispas e os bispos continuam a apoiar o desgoverno do Averno, o que é trocado por sinecuras, privilégios e subsídios diversos.

Nosso Judiciário, frequentemente corporativista, lento, vaidoso, sobranceiro, medíocre e propenso a golpes de Estado, a atos de traição à Pátria e a privilegiar as classes poderosas, passou a legislar contra o Direito, a lei, a decência e os melhores princípios civilizatórios ao encorajar o estupro, prática criminosa amplamente reconhecida mundo afora, mas sabidamente a gosto das hostes bolsonaristas. Essas, ao mesmo tempo em que zombam e vilificam as mulheres, fazem a apologia do crime e encorajam esta ação abominável de uma maneira geral. Nossas universidades continuam sob o violento assédio do desgoverno Bolsonaro, representado pela penúria de recursos e pela nomeação de interventores, em ultraje à Lei e ao princípio da autonomia.

Enquanto tais tragédias se desenrolam no Brasil, nos EUA as eleições presidenciais de 3 de novembro de 2020 não se mostraram imediatamente conclusivas, apesar da liderança parcial de Joseph Biden, um democrata com posições bem mais moderadas do que o Diabo do Norte, o republicano Donald Trump, inspirador e dono do Capetão. A eventual eleição de Biden não irá alterar o fato de que os EUA persistirão como a força principal em prol do imperialismo e da prosperidade seletiva de uns poucos em detrimentos dos muitos. Digamos apenas que tal força será um pouco menos contundente.

Em Portugal e na Itália, tristemente, ressurgiu com força o vírus maléfico. Com isso tudo a ocorrer no Brasil e no mundo, tive vontade de retornar ao Pavilhão Covid-19. Ao menos ali, apesar dos questionáveis tratos representados apenas pela ausência de minha parcimoniosa ração diária de 4 garrafas de vinho tinto do Douro, ficaria dopado da manhã até à noite na espera dos milagres necessários ao nosso país. Liguei ao meu médico, expondo minhas sólidas e fundamentadas razões. Insensível, o são-paulino me respondeu:

“De jeito nenhum! E não vá tomar vinho em casa! Poeta, você está sob um rigoroso regime de lei seca! Lembre-se: você e o seu time andam mal das pernas!”. Que horror! Não se fazem médicos como antigamente.

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