Sindicalismo à beira do abismo. É hora de dar meia volta

O que se apresenta como novo e desafiador é preciso investigar para que não se tente resultados novos e diferentes tendo velhas e carcomidas práticas. Não adianta tentar ou querer enxergar o novo, com olhar velho e embaçado. Novos desafios impõem novas práticas.

As notícias em torno do futuro do movimento sindical não são boas. A julgar pela situação atual, o quadro não é positivo e sinaliza que não há saídas sem perdas. Mas como a política não é ciência exata, a lógica em curso pode ser alterada, desde que compreendida a tempo e em sua dimensão adequada. Isto é, é preciso ver o que fazer e tomar decisões.

O governo sinaliza que vai encaminhar para discussão no Congresso Nacional proposta para “modernizar” o sindicalismo brasileiro, como analisa em artigo — Primeiros sinais do conteúdo da reforma sindical — o diretor licenciado do DIAP, Antônio Augusto de Queiroz. Entretanto, o movimento sindical precisa e pode antecipar-se à proposta do Executivo, pois, com certeza, essa virá na lógica do desmonte da organização e da estrutura sindicais.

O artigo do diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio — É urgente gestar o sindicato do futuro; o atual morrerá — impõe severa reflexão. É necessário olhar além do problema apresentado pela assertiva provocação que Ganz Lúcio sugere e buscar saídas. Quem se contentar em apenas refutá-la não terá êxito. A luta de classes não está acabando ou vai acabar. Está mudando (mudou) de contornos. O que exige novas ferramentas de ação e combate.

E, a partir deste olhar, definir que fazer para não ser “engolido” no debate que se dará no Poder Legislativo, refratário às demandas do movimento sindical, em torno do que o governo pretende apresentar para “modernizar” o movimento sindical.

3 perguntas
1) que movimento sindical — organização e estrutura — surgirá a partir desse debate?

2) como o movimento sindical vai se apresentar para essa demanda, que logo baterá às suas portas?

3) os líderes sindicais — dos sindicatos às centrais — vão aguardar o debate ter início ou irão antecipar-se internamente e assumir seus problemas e demandas, a fim de não serem dragados pelo futuro incerto e desafiador?

Representatividade
A partir destas 3 perguntas, que são estruturantes, seguem ideias objetivas para que o movimento sindical possa buscar o protagonismo — perdido — na luta por direitos ameaçados (suprimidos) e sua manutenção (reconquista).

Inicialmente, é preciso dizer que só sobreviverá o sindicato que for representativo. Aquele que não for, sucumbirá à modernização tecnológica imposta pela inevitável ascensão da inteligência artificial.

Sindicatos com baixa sindicalização perecerão!

Formação

A despeito do incrível retrocesso porque passa a sociedade brasileira, a partir do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, essa regressão social só poderá ser combatida com eficácia pelo movimento sindical se houver investimentos na formação de novas lideranças.

Essa formação precisa ir além da compreensão política do dirigente. Precisa abarcar outros aspectos da disputa de ideias.

É singular, nesse debate, por exemplo, observar o quanto o movimento sindical está desapetrechado para fazer o debate e, por consequência, a disputa em torno da reforma da Previdência, em particular o sindicalismo do setor privado, cujas mudanças nas regras de aposentadoria são devastadoras para os assalariados.

Comunicação

Na era das redes sociais, o movimento sindical patina nesse quesito. Qualquer organização, ainda mais a dos trabalhadores, precisa investir nessas novas modalidades de interação comunicacional, social e política.

Como fazer comunicação ou como comunicar numa sociedade que não tem o hábito de ler? Adianta fazer “jornais” para quem não vai lê-los?

Diante desse dilema real e objetivo é preciso estudar o quê e como fazer, a fim de tornar a comunicação eficaz, isto é, que ao mesmo tempo que informa, organiza a classe. Isto não é simples. Exige reflexão, estudo, investigação e investimentos materiais e financeiros.

Organização e estrutura

É certo que a proposta do Executivo para “reformar” o movimento sindical siga a mesma lógica da chamada Reforma Trabalhista, em vigor desde 2017, e, também, a previdenciária. Com certeza ninguém espera do atual governo algo que venha para alentar, organizar e estruturar o movimento sindical. Pelo contrário.

Assim, além de trabalhar para tornar as entidades que não são representativas, em entidades que deverão ser, por meio de campanhas permanentes de filiação, de captação de recursos materiais e financeiros, de melhoria da comunicação com a base social de cada sindicato, de fusões, de modo a realizar transições dos sindicatos de categorias para sindicatos por ramo de atividade ou profissão, com propósito de fortalecer a organização e a estrutura sindicais. É necessário perceber que está em jogo mais de 1 século de lutas e acúmulos que podem ser solapados, como fizeram com a CLT.

Nesse processo, é preciso não esquecer a luta de ideias. Na fase atual do capitalismo, há estímulos frenéticos ao individualismo, ao hedonismo, à organização e à rejeição à luta coletiva.

Que fazer diante desse cenário incerto e desafiador?

Disputa no Parlamento

Grande parte das demandas da classe trabalhadora são tratadas no Congresso Nacional. Desse modo, é preciso investir no acompanhamento profissional dessas iniciativas legislativas. Os empresários, as igrejas, os governos federal, estaduais e municipais, enfim todos que têm demandas no Poder Legislativo se apresentam organizados para fazer esse acompanhamento, cujas ações ou inações podem redundar em avanços ou retrocessos nas relações sociais, econômicas e políticas para a classe trabalhadora.

Invariavelmente, quando há disputas em relação a essas demandas, perde quem não está organizado e representado. A disputa no Parlamento é cotidiana. Não cessa porque esse ou aquele problema foi resolvido. Veja os exemplos da reforma da Previdência, da “MP da liberdade econômica” ou da MP do boleto bancário e tantos outros que pululam no debate parlamentar.

A MP do boleto bancário foi derrotada, mas gerou enorme prejuízo à estrutura sindical. Dias depois de “cair”, 2 senadores apresentaram projetos de lei — PL 3.814/19 e PL 4.026/19 — ambos com propósito de restabelecer a norma cujo objetivo não foi outro, senão aquele de desmantelar o movimento sindical.

Assim, diante dos desafios elencados e dos problemas apontados é urgente buscar soluções que fortaleçam o sindicalismo. Algumas dessas soluções passam por voltar a fazer o que deixou de ser feito. E o que se apresenta como novo e desafiador é preciso investigar para que não se tente resultados novos e diferentes tendo velhas e carcomidas práticas. Não adianta tentar ou querer enxergar o novo, com olhar velho e embaçado. Novos desafios impõem novas práticas.

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