Só o poeta sabe tudo
Ferreira Gullar nos brinda mais uma vez com sua extraordinária capacidade imaginativa para, através de sua poesia, dar asas às fantasias. O problema é que envereda para a política, tema que deve ser interpretado à luz dos fatos e baseado na realidade concreta.
Publicado 14/08/2012 20:11
Em artigo intitulado “Só o Chefe não sabia”, publicado na Folha de São Paulo deste domingo (12/08), o grande poeta maranhense insinua que Lula, “mandão por natureza”, sabia de tudo relacionado ao “mensalão”. De acordo com Gullar, “sem dúvida que – Lula – estava a par de tudo e em tudo interferia, por meio de seus paus-mandados”. Mas em que elementos reais Ferreira Gullar baseia sua convicção?
Primeiramente ele pergunta qual a imagem que se tem de Lula no Brasil. Óbvio que a resposta vai variar de acordo com a qual classe social a quem essa pergunta é direcionada, ou seja, se para a grande maioria dos trabalhadores da nação, a qual o poeta já defendeu em sua mocidade; ou se para as elites, com quem escolheu conviver em sua velhice. A imagem que o povo tem de Lula não foi construída neste ou naquele fato esporádico, mas num conjunto de ações e medidas que caracteriza um grande estadista que se sobressaiu à pequena política para alçar nossa nação à sexta economia do mundo, sacando quase quarenta milhões de brasileiros da linha de pobreza.
Gullar continua. Diz que “as pessoas que o conheceram – a Lula – no começo de sua vida política, como os que lidaram com ele depois, são unânimes em defini-lo como uma pessoa sagaz, atenta e sempre interessada em tudo saber do que se passava na área política e, particularmente, o que dizia respeito às disputas, providências e articulações que ocorriam dentro do seu partido e no plano político de um modo geral”. Nos poemas se pode generalizar, conjeturar, presumir, elucubrar, divagar e muito mais, sem se ter compromisso com os fatos ou com a realidade. É só deixar a mente fluir. Mas para se ter credibilidade num artigo de análise política, não se pode traçar um perfil psicológico do maior líder do país apenas com sentimentos e emoções.
Aliás, esse perfil de natureza “sagaz, atenta e sempre interessada em tudo saber do que se passava na política” pode ser atribuído, certamente, à oposição ao governo Lula, notadamente o PSDB e o DEM. Por que então a oposição não estava ciente do “mensalão”? Acaso se tratasse, como afirma nosso poeta, “de um procedimento de importância decisiva para a aprovação, pelo Congresso, de medidas vitais ao funcionamento do governo” e que “Lula não apenas sabia do mensalão como contava com o apoio dos mensaleiros para governar” não seria óbvio que um esquema tão grande como esse não fosse sabido pela própria oposição? Ou alguém em são juízo confiaria num “aliado” tão estável, fiel e sereno como Roberto Jefferson para guardar um segredo de tamanhas proporções como esse? Ou seja, seguindo a trama do poeta, FHC, Aécio e Serra também deveriam ter a obrigação de saber. E por que não sabiam? Simples: porque ele nunca existiu tal como Gullar, a direita e a imprensa golpista querem fantasiá-lo sendo este grande balcão de negócio em troca de votos para “comprar o apoio de partidos e os votos de seus representantes no Congresso”.
Mas eis que nosso poeta, ensaísta, pintor, crítico de arte, biógrafo, memorialista e outras coisas mais, parece ter assumido a psicologia prática como ocupação principal. Em seu novo ofício, conseguiu entrar na mente de Lula e descobrir que ele “não desejava dividir o poder com nenhum partido forte, capaz de lhe impor condições”. Solta o verbo para vaticinar que “como é próprio de seu caráter e de seu partido, só admitia aliança com quem não lhe ameaçasse a hegemonia”.
Quando Lula defendeu a aliança com o setor produtivo nacional, escolhendo Zé Alencar como vice, e ampliou o arco de alianças com o PMDB e outros partidos, foi excomungado por trair suas origens e, agora, é criticado justamente por ser hegemonista.
Difícil mesmo é entender a mente de gente que mente como Gullar.