Sustentabilidade da Amazônia ou do mercado global?

Na última quarta-feira, dia 09 de janeiro de 2008, uma nova página começa a ser escrita no longo curso da luta ambiental contra a voracidade capitalista. Os primeiros envelopes da licitação para a concessão da floresta nacional do jamari em Rondônia foram

E como já foi dito antes por quem estudou profundamente a economia-política, “os fatos e personagens de grande importância na história do mundo, ocorrem por assim dizer, duas vezes. A primeira vez como tragédia e a segunda como farsa” (Marx – 18 Brumário de Luís Bonaparte). 



Também já havia observado que a propriedade privada capitalista é a primeira negação da propriedade privada individual, baseada no trabalho próprio (Marx, O Capital livro II, cap. XXIV). Então a primeira pergunta que nos vem sobre essa questão da floresta é: Se é possível estabelecer mecanismos com a iniciativa privada para podermos melhorar nossa intervenção na floresta, o que impede que tais mecanismos pudessem ocorrer com as comunidades locais? Os povos tradicionais? Ora, até problema de legislação foi tratado para permitir a concessão às empresas!



Sou militante da Frente Popular desde o início no final da década de 80. Era funcionário da Cia de Eletricidade – Eletroacre, sindicalista urbanitário, quando disputamos eleições presidenciais e um ano depois eleições estaduais. Naquele período falar de esquerda, falar de Lula ou de lideranças como Jorge Viana e Marina Silva era comprar brigas “encarniçadas” na Eletroacre e Eletronorte. O maior mito era o de que tomaríamos as casas das pessoas para dividir com quem não tinha. Foi árdua a caminhada para constituir uma nova concepção de poder local e posteriormente eleger Lula presidente. É claro que nesta jornada vamos construindo relações de confiança, o que não significa suprimir divergências de concepção.



Quando o termo florestania nasceu sua principal essência definia um pertencimento, não dela para nós (seus habitantes), mas o contrário, nós para ela”. A floresta não nos pertence, nós é que pertencemos a ela” (Antônio Alves, artigo em geral, livro 3, p. 129). Nós somos a floresta, nós pertencemos a ela. Se tal concepção está correta, então a forma de cuidar entregando-a ao capital privado pode não ser a acertada. Não poderíamos entregá-la a um consórcio de universidades federais brasileiras da região? Ou criar um instituto de pesquisa e exploração estatal brasileiro? Talvez seja uma preocupação em demasia, pois também sei que a Ministra Marina Silva buscou avaliar todos os prós e contras. Mas, talvez também tenhamos realizado pouco esse debate no âmbito da sociedade brasileira, já que o assunto não é apenas ambiental. Estamos falando também de soberania brasileira e de interesses econômicos gigantescos para uma riqueza praticamente inexplorada. 



Muitas vezes numa guerra, podemos perder de vista o objetivo que a iniciou. Ora, travamos uma guerra inglória contra o capitalismo em sua fase imperialista (neoliberalismo, globalização ou mundialização do Capital). Definimos nossa tática de luta atual de defensiva estratégica. Identificamos a necessidade de combate fortalecendo a nossa soberania, estabelecendo pactos com determinados setores do capital (quem sabe o industrial-produtivo). Tratamos da Amazônia como questão estratégica para a soberania brasileira e, no entanto, assentimos que o Estado brasileiro é frágil para cuidar de tamanha riqueza e que a alternativa é entregá-la à administração privada. Porém não é qualquer privado. Este deve estar munido de capital, constituído como empresa e movido por ideais sociais, por preocupação ambiental e por grande eficiência lucrativa, agregando valor local aos produtos explorados. Há uma grande contradição no mecanismo proposto.



Para além do tema ambiental, o assunto é questão de soberania e da luta de classes


 
Historicamente o organismo produtivo do capital, deixa para trás grandes resíduos que Marx chamou de excrementos (de produção e de consumo – p.76, l.III, O Capital). Um permanente problema na composição de custos e de valor (conceito para elém do preço, efetivamente Valor – Lei/Teoria do valor), cuja saída tem a ver com diminuição dos excrementos ou desperdícios, reutilização desses resíduos ou aquisição de matéria prima a preços baixos e enfim, a contratação de força-de-trabalho, por baixos salários. Em outras palavras lucros só se conseguem com trabalho executado e não pago (a mais valia), propriedades privadas se conseguem abolindo propriedades coletivas, os capitalistas são os maiores consumidores de recursos naturais (esgotando-os) e os maiores produtores de resíduos e excrementos jogados na natureza.



Daí que o temor amplia-se não pelo ato em si, mas, porque tal responsabilidade não deva ser imputada a tão reservados setores denominados ambientalistas (é questão de soberania, mas acima de tudo é questão da luta de classe). Por mais que as ações sejam honestas na busca de soluções, podemos estar caindo em duas grandes armadilhas:



Uma histórica: “a tradição de todas as gerações mortas, oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestados os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar e nessa linguagem emprestada” (Marx – 18 Brumário de Luís Bonaparte).  Nosso governo, busca inovar em saídas tratando de sair do “atraso”, do “subdesenvolvimento” e cai na armadilha ideológica! Ao assumir essa visão eurocêntrica, encontra a solução na mesma via: A lógica de mercado, os financiamentos para o desenvolvimento, o estímulo à iniciativa privada preparando caminho para as grandes madeireiras, através de leis específicas e da formação de Infra-estrutura para instalações;



A outra político-econômica: Há um movimento estabelecido à partir do BID com o objetivo de articular 335 projetos entre estradas, pontes, ferrovias, gasodutos, canais e comunicações, “um amplo esquema de infra-estrutura para a América Latina”. Trata-se do IIRSA – Iniciativa Para Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana. (site: Revista do BID para a América latina, publicada em novembro de 2005)



Poderíamos ousar na afirmação de que o BID, por não estar desarticulado do grande projeto de mundialização do Capital, não age movido por preocupações com os pobres latino-americanos, mas sempre trabalhando pelas idéias liberais da “oportunidade de negócios” e do “livre mercado”, preocupado com o Grande Centro (a desvalorização maciça de Capitais). E isto é uma tautologia! No entanto promove verdadeiras armadilhas. E nós já caímos nela, encantados pela “lógica do mercado”.



Em um trabalho organizado sob o título Resistências mundiais, de Seattle a Porto Alegre, um dos autores Samir Amin, alerta “(…) A lógica exclusiva do capital se exprime pela supressão do controle em relação aos mais diferentes tipos de transferências de capital, que sejam destinadas ao investimento ou à aplicação especulativa, e pela adoção do princípio de câmbios livres e flutuantes”. Segue ainda de maneira clara o nosso autor “O objetivo central dessas políticas é desmantelar as capacidades de resistência que os Estados poderiam representar, de maneira a tornar impossível a constituição de forças sociais populares eficazes”. (ed. Vozes, 2001).   
 


O BID e a IIRSA – Um projeto sorrateiro ou secreto?



Na matéria do BID, citada acima, há duas questões relevantes para o destaque: a primeira, é que o Coordenador junto ao BID, Mauro Marcondes, admite que a IIRSA “permanece quase completamente desconhecida” nos países em que está sendo implementada. Seria acaso um projeto secreto? A segunda questão é o foco. O primeiro deles é a iniciativa privada, pois o objetivo primário é “impulsionar o potencial econômico da região, usando a infra-estrutura física regional para estimular o comércio, a produção e a geração de empregos”. Continua, “os empresários devem começar a pensar em como usar de forma mais proveitosa os transportes, as comunicações e as fontes de energia para formar alianças comerciais e proporcionar melhores serviços financeiros e de transportes”. O segundo foco está nos “políticos e formuladores de políticas”. Para o BID, estes devem “criar uma rede de novas leis, regulamentações e reformas institucionais que possam estimular, em vez de sufocar, a capacidade produtiva da região”(o saite é www.iadb.org/idbamérica).



O BID orienta aos governadores e prefeitos olharem para além das próximas eleições e planejar maneiras de assegurar que suas jurisdições se beneficiem com os projetos da IIRSA e que esses benefícios sejam distribuídos eqüitativamente entre os grupos populacionais. Eles precisam trabalhar em conjunto com organizações da sociedade civil para garantir a participação de base.



No caso da Amazônia, o movimento é claríssimo: Com o coração na floresta e de olho no mercado. E como bem sabemos o coração só sente o que o olho vê! Não há interesse dos grandes capitais em desenvolver as economias periféricas. Pelo contrário! Há um movimento para bloquear os possíveis desenvolvimentos, mantendo-as bloqueadas para cumprir a função essencial no mercado internacional, a de fornecimento de recursos, o que exige a negação de seus desenvolvimentos.



A legislação foi preparada. A experiência já começou. 40 anos de exploração de uma floresta riquíssima. Os que participam da disputa pela concessão são empresários. Médios e grandes capitais. Consórcios. Os habitantes tradicionais poderão virar trabalhadores assalariados. E então, os seringueiros, os povos da floresta sofrerão a metamorfose para operários, assalariados ou bóias-frias. Nós poderemos romper o contrato a qualquer tempo. Talvez, o façamos se for necessário. Uma coisa é certa. Eles vieram o ocuparam nosso jardim. E com algumas exceções, nós não dissemos nada.

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