Temos projeto nacional de desenvolvimento?

Sim e não. Completo, não; em construção, sim. Dada assim de modo aparentemente simplista, a resposta na verdade pretende chamar a atenção para dois conceitos que permeiam nossa análise acerca do ciclo de transformações em curso no País a partir do primeiro governo Lula e que tem continuidade na atual gestão da presidenta Dilma. Refiro-me aos conceitos de transição e correlação de forças.

Isto porque frequentemente surgem, entre oposicionistas e mesmo aliados opiniões fundadas em visão dual e mecanicista em relação às mudanças que se vêm operando no Brasil, na última década.

Há quem faça como que uma conta de somar e subtrair, cotejando avanços e insuficiências e chegando à conclusão rasteira de que, infelizmente, ainda não temos um projeto nacional de desenvolvimento inovador. Errado.

Primeiro, porque são inegáveis as conquistas sociais, a ampliação da democracia e a afirmação da soberania nacional no período. Segundo, porque cumpre reconhecer a dimensão exata dos obstáculos interpostos pela classe dominante, o setor rentista, sobretudo, mediados por uma oposição ativa e em certa medida poderosa, partidária e midiática. Terceiro, porque pesam entraves institucionais (o Estado brasileiro não sofreu alterações substanciais no período, permanece essencialmente a serviço das elites) às políticas públicas endereçadas aos interesses da Nação e do povo. Quarto, pela natureza mesma do processo de mudanças – a transição de uma ‘herança maldita’ neoliberal, que aprofundou os impasses estruturais do Brasil, para a execução de um novo projeto nacional de desenvolvimento, cujos fundamentos estão ainda em construção dentro e fora do Estado brasileiro.

Essa transição é um processo naturalmente complexo, conflituoso, sujeito a idas e vindas, a avanços e a retrocessos, cujo conteúdo e ritmo são mediados pela correlação de forças.

Se no Brasil, historicamente as transições sempre se deram de forma limitada e gradual, esta não será diferente, tamanha a envergadura das mudanças necessárias, a importância geopolítica do Brasil e os poderosos interesses contrariados, incrustados no Estado e na vida econômica, social e política.

Importa também sublinhar que pesa no desenho da correlação de forças o nível de construção das forças subjetivas no âmbito do bloco partidário e social que governa, a que se vincula diretamente o fato de havermos avançado muito, porém menos do que o necessário e possível. Um componente da correlação de forças real, na década, que esteve longe se apresentar solidamente favorável. Lula, nas duas vezes em que se elegeu presidente, não “fez” maioria no Senado nem Câmara, sendo obrigado a muitas manobras em favor da governabilidade. E Dilma, que se elegeu apoiada numa maioria de senadores e deputados federais, tem, entretanto, na composição dessa maioria, força relativa maior de representações conservadoras, que desejam mudar o País, mas nem tanto. Demais, um fator decisivo, força motriz do processo mudancista – o povo mobilizado nas ruas – ainda concorre limitadamente. As manifestações de junho último, pelo seu caráter predominantemente espontaneista, pouco contribuíram para suprir essa deficiência.

Claro que esses elementos, assim considerados, não explicam o alcance ainda insuficiente das conquistas obtidas. Mas dão a dimensão dos esforços a serem realizados e da necessidade de um novo pacto político a ser celebrado – para o qual influenciarão os resultados eleitorais de 2014 -, que ponha na ordem do dia as reformas estruturais democráticas, sem as quais não será possível impulsionar o atual ciclo de desenvolvimento econômico com inclusão social.

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