Tributo a um revolucionário

O início de uma sequencia de emocionadas homenagens ao comunista Bergson Gurjão Farias, que tombou na Guerrilha do Araguaia em plena obra de resistência contra o regime militar, dá seus primeiros sinais.

Uma audiência com representantes do Ministério da Justiça que envolveu o deputado Chico Lopes (PCdoB-Ce) e uma das irmãs de Bergson Gurjão Farias, Tânia, acertou a data do seu funeral para o dia 6 de setembro próximo. Com a chegada de seu esquife neste dia, em avião da FAB, está proposta uma concentração no mesmo cenário em que Bergson liderou lutas estudantis de resistência ao regime militar como vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Ceará (UFC) em 1967. Este local é o campus da UFC no bairro do Benfica, no local onde ainda hoje funciona a sua Reitoria.

Executado em combate pelos militares no mês de maio de 1972, Bergson teve seu corpo metralhado, chutado e pendurado em uma árvore na cidade de Xambioá (hoje estado do Tocantins), onde foi enterrado no cemitério municipal. Exumado em 1996, numa expedição, teve seus restos físicos levados para Brasília, onde permaneceram num caixote de papelão até 2009, quando, no início do mês de julho, foram identificados.

Documentário em ação

Neste dia serão iniciadas as filmagens de um documentário sobre este quadro do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), dirigido pelo cineasta Francis Vale — que, na época, militou ao lado de Bergson como dirigente do PCdoB. Bergson deverá, assim, ser homenageado na Reitoria pelos seus familiares (entre esses, sua mãe, dona Luiza, aos 94 anos), camaradas de luta partidária e estudantil, amigos e colegas da sua juventude, jovens e antigos militantes contemporâneos. Neste momento serão filmados, simultaneamente às cenas e pronunciamentos dos protagonistas, e os primeiros depoimentos. Nos desdobramentos, outros estudantes cearenses (Teodoro de Castro, Jana Moroni Barroso, Luiz Custódio Saraiva, entre outros) serão inseridos, em ambiente retrospectivo.

Medalha Boticário Ferreira

Entre as homenagens a Bergson, está também uma iniciativa estudantil que pretende levar à reunião plenária do Conselho Universitário da UFC a proposta de oferecer ao Auditório da Reitoria o nome de Bergson Gurjão Farias. O ambiente, por decisão do próprio Conselho, já não leva o nome de “Castelo Branco”. Noutra iniciativa, a vereadora comunista Eliana Gomes está apresentando à Câmara Municipal de Fortaleza um requerimento que propõe a concessão da Medalha Boticário Ferreira, numa honraria post mortem, ao líder estudantil do PCdoB. A justificativa apresentada por Eliana reúne as informações fundamentais acerca da significativa existência do homenageado, lastreando-se num belo poema de autoria do médico Luiz Teixeira, amigo e companheiro de lutas de Bergson:

“A Medalha Boticário Ferreira é uma honraria nascida na trajetória construtiva de um brasileiro nascido em Niterói, Antonio Ferreira Rodrigues, farmacêutico, que aportou em Fortaleza em 1825, quando o Nordeste já se fazia engrandecido pelas ações do movimento revolucionário, de caráter emancipacionista e republicano, da Confederação do Equador. É, desde sua instituição, uma honraria que se confere a pessoas notáveis, às quais se dedica uma gratidão qualificada por sua grandeza e representatividade social.

Bergson Gurjão Farias tornou-se um desses brasileiros ilustres e imprescindíveis ao dedicar sua jovem vida à defesa das liberdades democráticas em nosso País e à luta por dias melhores para o povo brasileiro. Nesse prumo, o espírito humano que teceu uma das mais pungentes peças históricas da nossa trajetória, fincou raízes poéticas em nossa imaginação em diversos testemunhos contemporâneos sobre Bergson, sobressaindo-se em tal acervo uma autêntica ode aos heróis do nosso tempo, destacada nos versos do médico homeopata Luiz Teixeira, amigo e camarada do homenageado nos anos 1960, no auge da resistência ao regime militar:

Homens raros

Luiz Teixeira (médico)

Quantos
fincaram uma cruz
nos túmulos dos seus destinos
antes de sentarem à mesa
do banquete do conhecimento?

Quantos
amargaram o sofrimento
do próprio suor
repleto das dores
que choravam pelos poros
dos seus corpos?

Quantos
fizeram das próprias vidas
insanidades transitórias
e gestos de grandezas permanentes?

Quantos
lamberam os corações sangrantes
nas lutas libertárias
enfrentando chumbo e solidão
para a construção de um mundo melhor?

Quantos
palmilharam as estrelas sinuosas
que ligam a tênue fronteira
entre a vida e a morte
para compreenderem o absurdo da vida?

Quantos
após chorarem seus mortos,
enrolaram suas bandeiras,
cessaram as batalhas,
esqueceram os ressentimentos
e mergulharam no grande mar
das metáforas perdoadas?

Quantos
caminharam descalços
pelos desertos
em busca de suas tórridas
verdades filosóficas e religiosas?

Quantos
não fraudaram a lei e a norma
em rasteiras surdinas e trapaças
em busca do enriquecimento ilícito?

Gritei essas perguntas
para as montanhas e planícies
e o eco me respondeu:
só os raros.

Somente estes versos, de per si, satisfariam plenamente à Justificativa que se requer ao gesto de concessão da Medalha Boticário Ferreira. Este poema nasceu de um alcance oceânico do seu autor: também homenageia outro cearense, Antônio Teodoro de Castro — que, a exemplo de Bergson e seu contemporâneo na Universidade Federal do Ceará (UFC), teve o mesmo destino. E, ainda mais amplo em seus horizontes, nasceu como se resgatasse, seguindo além do alcance poético pretendido, toda uma geração desenhada pela generosidade e pelo engajamento acima das conveniências pessoais, numa dedicação ímpar às causas maiores do povo brasileiro.

E o percurso de Bergson é exemplar de toda esta plêiade de jovens que se lançaram à gangorra dos perigos e aos redemoinhos e incertezas da luta sem tréguas contra a besta fera que lançou seus tentáculos sobre a nação brasileira.

Nascido em 17 de maio de 1947, terceiro dos quatro filhos de Luíza Gurjão e Gessiner Farias (os outros eram Gessiner Júnior, Ielnia e Tânia), Bergson residiu com sua família na Rua Dom Joaquim, no centro de Fortaleza. Sua vida estudantil iniciou-se na escola Pathernon Santa Luzia e estudou também no Colégio Brasil, no Colégio Batista Santos Dumont e no Colégio Castelo Branco — curso preparatório para vestibular que frequentou. Do jovem que praticava natação, tênis e basquete no Náutico Atlético Cearense ao estudante de Química da UFC, afável e querido líder estudantil eleito vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFC, em 1967, Bergson deixou marcas de sua enérgica e a um só tempo suave presença por onde passou. No basquete do Náutico, começou a participar da equipe na categoria infantil, depois juvenil e em seguida passou para o time oficial, participando de competições em todo o Brasil. Alguns colegas de Bergson dessa época foram, entre outros, Roberto Bastos (técnico), Aziz Jereissati, José Flávio Teixeira e Raul Santos.

Seu espírito esportivo e sua suavidade se transformaram quando o manto do obscurantismo foi lançado com feroz truculência sobre o Brasil. A intolerância se abateu sobre o jovem líder estudantil, que, após se confrontar com a repressão militar, foi constrangido ao deslocamento para defender sua própria vida.Bergson foi preso durante o 30º Congresso da UNE, em lbiúna (SP), em outubro de 1968, e expulso da UFC com fundamento no Decreto-lei 477. Ainda em 1968, no Ceará, foi ferido na cabeça quando participava de manifestação estudantil.
No dia primeiro de julho de 1969 foi condenado a dois anos de reclusão pela Justiça Militar. Com isso, passou a atuar na clandestinidade e mudou-se para a região do Araguaia, onde passou a residir na área de Caianos, na confluência do Bico do Papagaio, em plena selva amazônica.

De acordo com o Projeto Memórias Reveladas, do Ministério da Justiça, existem controvérsias entre diferentes publicações e documentos quanto ao assassinato desse líder estudantil cearense. Foi a primeira baixa fatal entre os quadros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) deslocados para o Araguaia. Acerca da data de sua execução, em 1972, há controvérsias: o dia oito de maio sempre constou nas listas de mortos e desaparecidos políticos, entretanto, publicações mais recentes, fundamentadas em trechos de documentos secretos das forças repressivas, indicam dois ou quatro de junho.

Mas não há dúvidas sobre as circunstâncias desta execução: conduzido do local onde foi metralhado quando protegia a retaguarda da sua unidade no Destacamento C da Guerrilha, seu corpo foi pendurado em uma árvore, de cabeça para baixo, para ser agredido por paraquedistas e outros agentes das forças repressivas.

O desaparecimento de Bergson foi denunciado em juízo pelos presos políticos José Genoíno Neto e Dower Moraes Cavalcante. Genoíno afirmou que lhe mostraram o corpo sem vida de Bergson, com inúmeras perfurações, durante um interrogatório. Dower, já falecido, informou ter sido preso e torturado junto com Bergson e confirmou a versão de Genoíno para a sua morte. Segundo depoimento de Dower, o general Antonio Bandeira de Melo lhe disse que Bergson estaria enterrado no Cemitério de Xambioá.

Sua execução foi registrada no Relatório da Operação Sucuri, de maio de 1974; no Relatório do Ministério da Marinha, de 1993; pelo citado general Bandeira, então comandante da 3ª Brigada de Infantaria; e no “livro secreto” do Exército, divulgado em abril de 2007.

Efetivamente, Bergson foi enterrado no cemitério municipal de Xambioá (hoje município de Tocantins), de onde foi exumado em 1996 numa expedição que levou seus restos físicos para Brasília, onde permaneceram num caixote de papelão até 2009, quando, no mês de julho, foram identificados.

Bergson será tema de um documentário que começa a ser rodado no dia 10 de setembro, quando chegará a Fortaleza, oriundo de Brasília, num avião da Força Aérea Brasileira (FAB).
O filme registrará sua chegada no aeroporto, seu trajeto para o campus da UFC no Benfica, onde, antes de seguir para o cemitério, será recebido na Reitoria pelos seus familiares (entre esses, sua mãe, dona Luiza, aos 94 anos), camaradas e companheiros (as) de luta partidária e estudantil, amigos e colegas da sua juventude, jovens e antigos militantes contemporâneos.
Outros estudantes cearenses, a exemplo de Teodoro de Castro, já mencionado, Jana Moroni Barroso, Luiz Custódio Saraiva, entre outros, em ambiente retrospectivo do documentário, também serão homenageados.

Sim, pois a história de Bergson, a exemplo de cada um dos que tombaram durante a Guerrilha do Araguaia, merece destacado registro histórico. Sua existência é hoje lembrada em muitas homenagens, entre as quais está um logradouro de São Paulo que registra informações sobre sua vida breve, mas densa em acontecimentos e em testemunhos de dedicação ao País e ao povo brasileiro. Em Fortaleza, a Medalha Boticário Ferreira é sua pioneira e significativa honraria”.

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