Um filme chamado Yara

O filme “Yara”, do iraquiano Abbas Fahdel, o brega em “Amor, plástico e barulho”, de Renata Pinheiro, e o filme “Gonzo: The life and work of Dr. Hunter S. Thompson”, de Alex Gibney

Filme "Yara" I Foto: Divulgação/Mubi

A sociedade que vivemos hoje não tem definição mesmo. A estrutura continua em sua maioria capitalista, mas os costumes a cada dia assumem partes de diferença. E a arte com os hábitos. Assim topamos com um filme no Mubi que poderia ter sido produzido e dirigido por um cineasta dos anos 50 da Itália. A estrutura verdadeira do filme tem aspectos bem atuais, como a forma de se comportar a atriz/personagem principal. Mas a estória poderia ter sido de uma Rimini dos anos 50.

“Yara” é um filme feito pelo cineasta iraquiano Abbas Fahdel. Entretanto, o filme não é iraquiano. Isso porque Abbas saiu do Iraque há mais de quarenta anos e foi para a França onde estudou cinema e lá se estruturou. Assim não podemos dizer que ele seja iraquiano, pois inclusive tem cidadania francesa. Morou, mora muito tempo na França e quando voltou ao Iraque fez um filme sobre seus amigos de infância, mostrando o seu antigo país. Depois, em outra viagem ao Iraque, fez um documentário sobre o caos do país iraquiano. E assim é o mundo que temos hoje.

Nesse “Yara”, conta uma estória bem neorrealista, que narra principalmente uma moça de seus 17 anos e sua avó, que vive com ela num vale praticamente abandonado por sua antiga população. O drama é como no neorrealismo sutil e delicado, quando a jovem se apaixona por um jovem que é seu parente e surge de repente. Muito bom o trabalho do diretor Abbas Fahdel, que consegue esmiuçar a vidinha deles ligando desde a jovem e a avó até o rapaz e os gatos, as galinhas, o cachorro, os bodes e algumas pessoas do vale.

Assim, ainda existem hoje filmes sinceros em seu tom de narração e na interpretação dos atores Michelle Wehbe e Elias Freifer, além da avó, uma figura extraordinária em seu físico, Mary Alkady. Na verdade, uma estória amorosa que não é moderna, mas tem a eternidade como tempo.

Olinda, 16. 12. 21

Amor, plátisco e barulho

Filme “Amor, plástico e barulho” I Foto: Divulgação

Para começar, penso que esse filme de Renata Pinheiro deveria se chamar “Amor, Plástico e Brega”. Seria muito mais apropriado. É o primeiro longa dessa cineasta e já foi lançado em 2015. Várias vezes comecei a ver, parei e confesso que, somente depois que “Carro rei” ganhou o prêmio em Gramado, comecei a achar que deveria ver corretamente o primeiro longa da cineasta. Depois de corrigir o som do meu computador, pude ver ontem.

Confesso que é preciso ter muita paciência e tranquilidade para ser crítico, principalmente de cinema. A hora e meia que o filme tem de duração na verdade nos parece ter quinze horas, e não porque se trate de uma obra ruim, mas pelo fato de que trata com exaustão um assunto do qual fico sempre pensando já sei o suficiente. Embora numa visão de antropólogo, quanto mais exaustivo se penetra melhor para um completo entendimento.

“Amor, plástico e barulho” não tem a profundidade de um filme de Cláudio Assis, mas talvez tenha mais correção enquanto obra cinematográfica. Claro que é preciso valorizar muito mais o ir à fundo do cinema de Cláudio e não essa leveza sincera de Renata. E temos que reconhecer que essas duas ‘estrelas’ do cinema pernambucano, Maeve Jinkings e Nash Laila, fazem uma excelente dupla para criar um clima consistente nesse pequeno drama, com certamente uma pequena sofisticação estética. Tenho a impressão de que esse filme nunca recebeu nenhuma grande premiação, mas pelo menos já devia ter assumido uma posição de mais destaque na produção do cinema pernambucano. Pela extrema correção técnica. Ele tem um trabalho extraordinário de montagem e nessa parte o olho de Renata Pinheiro deve ter sido fundamental. Cena tal ali e cena qual acolá.

Filme “Amor, plástico e barulho” I Foto: Divulgação

Mas “Amor, plástico e brega” não tem maior dimensão como obra artística pelo fato de ter ficado só nas anotações da história. Não penetrou a fundo na estória. Só em pequenos momentos como quase piadas. “Não sou puta, sou artista”. Por exemplo.

Olinda, 11. 11. 21

O jornalismo gonzo – Documentário e legenda

Filme “Gonzo: The life and work of Dr. Hunter S. Thompson” I Foto: Divulgação/Mubi

Sem dúvida, um bom documentário esse “Gonzo: The life and work of Dr. Hunter S. Thompson” que o Mubi começou a exibir. Mas confesso que vi o começo, pulei uma grande parte e vi o fim por falta total de capacidade de acompanhar a narrativa oral. É um filme feito especialmente para um público que leia, ouça, fale inglês, pois é impossível você ler a legenda e ao mesmo tempo acompanhar a imagem em movimento.

O documentário é sobre esse jornalista Hunter Thompson, que foi um dos principais criadores nos Estados Unidos do que se chamou jornalismo gonzo. E a explicação que temos no google é que além de significar dobradiça em jornalismo, significa o tipo dessa atividade em que o repórter participa do problema ou do conflito. Claro que sei muito bem o que é isso, pois na minha vida de jornalista sempre que pude entrei de cabeça nas pautas e nunca quis ser ‘imparcial’.

Mas esse documentário me lembrou a questão da dublagem que nos anos 60 foi colocada em discussão e depois disseram que o público preferia a legenda. A minha impressão é que a dublagem não interessou aos grandes produtores e por isso nunca foi popularizada. O que acho certo é que um filme como este sobre Hunter Thompson chegaria muito mais ao público não falante de inglês se fosse dublado na língua nativa de cada um e não com legendas. Ou você lê a legenda ou vê o filme. Eu prefiro ver o filme e deduzir pela intuição o que ele está dizendo.

Hoje, no sistema de exibição ‘streaming’, existem vários tipos de legenda, e no caso da Netflix, você pode escolher o áudio. No Mubi o áudio sempre é um só.

Olinda, 16. 10. 21

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