Um olhar dialético sobre a crise

O anúncio da crise financeira que atinge todos os países soa como uma catástrofe natural. Não é, nada tem a ver com os estragos que a humanidade tem causado à natureza. Tem a  ver, sim, com o descaso com que agem os responsáveis pelas finanças que condicionam o mercado mundial. Responsáveis diretos são os executivos das instituições bancárias e de seguros que recebem salários e bonificações milhares de vezes maiores que os salários dos  trabalhadores. Responsáveis  indiretos são os governantes e políticos que assistem passivamente a este desbaratamento dos recursos árduamente construídos pelos povos. Esta irresponsabilidade conjugada é a célula mater do sistema capitalista que priva o Estado democrático de controlar a distribuição de rendas e evitar que as riquezas das nações escoem pelos ladrões. Esta é uma crise do sistema capitalista que hoje abrange todas as nações ligadas pelo modelo financeiro imposto através da comercialização internacional e só será resolvida com uma mudança profunda do seu modelo.

O sistema financeiro capitalista é defendido pelos governos dos países mais ricos e seus aliados em todo o planeta, com a pretensão de que permaneça como o único sistema económico mundial. O sistema socialista, que será a única alternativa democrática, existe na China, Vietnam, Laos, Cuba e vai sendo adoptado por nações que lutam pela sua independência política e, portanto, também económica em relação à potência imperial e seus aliados imediatos. Esta convivência impõe a adaptação ao sistema dominante – capitalista – sem abandonar o caminho revolucionário apontado pelas experiências socialistas que há décadas evoluem consolidando conquistas sociais que, por seu lado, vão sendo adoptadas no capitalistas.

Tratando-se da crise do sistema capitalista, é dentro da sua própria estrutura que deverão ser encontradas as raizes onde se localizam as causas do desequilibrio financeiro. Na estrutura de poder do sistema capitalista destacam-se empresas, executivos e funções políticas dentro do Estado com responsabilidade pelo êxito ou fracasso dos processos que o governo decide, ou aceita passivamente, realizar sem uma avaliação democrática prévia. Atribuir ao povo, uma parte que seja, da responsabilidade pelo endividamento acima da capacidade nacional, é mascarar a essência anti-democrática do sistema capitalista que depende de uma elite privilegiada e da desigual distribuição de rendas para manter a oferta barata de mão de obra que garante a mais valia na produção.

Os poderosos, que dominam os meios de comunicação social, procuram criar para os povos um ambiente de susto e medo do colapso, e surgem como os prováveis salvadores desde que a população colabore apertando o cinto.Em Portugal, 37 anos após a Revolução dos Cravos, quatro Presidentes eleitos assumem o triste papel de ilusionistas da história para reforçar a função das elites capitalistas, nacionais e estrangeiras, de salvadores da ruina de um pobre país que precisa da ajuda dos mais ricos para fazerem parte da moderna Europa. O FMI oferece os recursos para pagar as dívidas (com altos juros e compromissos de consumo de novidades tecnológicas produzidas pelos ricos). Assim agiu Salazar ao fazer o jogo de Hitler e encaminhar o fortalecimento dos Estados Unidos e da Inglaterra que formaram a nova força imperial.

Para mascarar a crise do sistema atribuem-na ao desenvolvimento do país e reclamam maior esforço aos seus construtores – os trabalhadores e suas famílias. De passo, o governo português atual é demitido mas permanece em função, e a Assembleia da República é fechada para que novas eleições sejam realizadas dentro de tres meses, sob a recomendação do poder internacional de que unam os seus própositos. Claramente não há espaço para que o povo eleja uma verdadeira alternativa para o Governo. Mais uma vez a imagem de Salazar é recordada com a idéia de salvação nacional.

A crise financeira que abala o mundo há dois anos já foi fartamente analisada por especialistas e críticos, que coincidem na denúncia de má gestão financeira, o que visa os responsáveis directos das empresas bancárias que, na verdade, usam de uma autonomia incompatível com a democracia e que compromete o governo eleito que fica conivente com as causas da crise. A má  gestão refere-se tanto à incompetência irresponsável de quem se permite esbanjar os recursos nacionais, como à falta de planeamento dos investimentos de acordo com noções de custo/benefício relativo à sociedade como um todo. A má distribuição da riqueza garante com a pobreza da maioria dos cidadãos os privilégios de uma elite sempre poderosa.

No Portugal de Abril as manifestações populares lideradas pela CGTP e pelos partidos de esquerda afirmam a decisão do povo de assumir a única alternativa possivel à crise investindo na produção toda a sua capacidade e força. O Estado terá de investir na criação de empregos e no desenvolvimento da estrutura produtiva. A unidade faz-se com as forças sociais, não entre os partidos que se submetem ao imperialismo.

 

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