Uma nota sobre o Plano Real

O Plano Real completou 15 anos e, como era de se esperar, houve ampla repercussão na imprensa. A repercussão é justa. O Plano conseguiu a estabilização dos preços após vários anos com alta inflação. Hoje os calouros do curso de economia têm dificuldade de

Quando o Plano foi anunciado em 1993, grande parte da esquerda não conseguiu compreender claramente o seu significado. Dizia-se que se tratava de uma dolarização disfarçada, ou simplesmente de um plano eleitoreiro, que não seria mantido após as eleições. Enquanto isso, Fernando Henrique Cardoso, candidato apoiado pelo governo federal nas eleições daquele ano, e tornado o “pai” do Real por uma campanha de marketing muito bem montada, tomava a dianteira nas pesquisas, sendo confirmado vitorioso já no primeiro turno das eleições. Não é tão difícil entender a vitória de um político que alguns anos antes não conseguiu se eleger prefeito de São Paulo, quando se tem em conta os malefícios causados pela inflação, particularmente sobre os trabalhadores.


 



No campo teórico, o Plano Real seguia a mesma concepção do Plano Cruzado, ou seja, a de que a inflação era inercial (1). Porém, ao invés do congelamento dos preços, o Plano Real criou um mecanismo de convivência com duas moedas, a Unidade Real de Valor (URV) que destinava-se a restabelecer a função de unidade de conta da moeda, sem a necessidade do congelamento. Tal proposta já tinha sido colocada em pauta na primeira metade dos anos 1980, mas foi deixada de lado (2). Na época, dizia-se dentro do governo que seria muito difícil para a população entender a existência de duas moedas oficiais.


 



Na prática, os dois planos tiveram efeitos de curto prazo análogos. A começar pela rápida desinflação nos primeiros meses. No Cruzado, o congelamento do câmbio levou a sua valorização, fazendo com que o superávit na balança comercial sofresse uma rápida queda. O mesmo aconteceu com o Real: após o seu lançamento, o câmbio se valorizou e a balança comercial saiu de um superávit de US$ 10,9 bilhões, em 1994 para um déficit de 3,1 bilhões, em 1995.


 


 


Por que o Plano Real deu certo?



 


 


É possível apontar alguns motivos para o sucesso do Plano Real, e estes, evidentemente, sempre serão alvos de controvérsia. Mas um desses motivos é fundamental: as condições externas no momento do lançamento do Plano. Enquanto no Plano Cruzado o país vivia as turras com a dívida externa e não havia liquidez internacional; no Real, o Brasil pode financiar facilmente seus déficits na conta de transações correntes com uma enxurrada de capitais que eram atraídos pelo diferencial da taxa de juros. Assim, conforme Belluzzo e Almeida, o Plano Real “seguiu o método básico para dar fim à maioria das ‘grandes inflações’ do século 20: recuperação da confiança na moeda nacional, por meio da garantia de seu valor externo” (3).  Esta forma de alcançar a estabilidade de preços conhecida como âncora cambial, somente é possível quando há financiamento em moeda estrangeira e uma quantidade suficiente de reservas internacionais que desestimule a especulação contra a paridade escolhida. Com isso, as autoridades monetárias podem controlar o comportamento da taxa de câmbio nominal, algo impossível num cenário de escassez de capital, como o que prevaleceu nos anos 1980.


 



Outra razão para o sucesso do Plano merece ser mencionado: a experiência dos planos anteriores. O enorme aumento do consumo que ocorre sempre que há uma desinflação abrupta é um dos problemas a ser enfrentado por qualquer programa de estabilização. Ao contrário do Cruzado que concedeu reajustes salariais e manteve baixa as taxas de juros, o Plano Real não concedeu qualquer reajuste nos salários, elevou os juros e adotou medidas de restrição ao crédito (4).


 



O Plano conseguiu manter a inflação sob controle, porém as políticas macroeconômicas adotadas durante os oito anos de governo FHC foram um desastre. O Brasil sofreu impacto de todos os choque externos que ocorreram durante nesse período (5). O país conviveu com alto desemprego, e apesar das autoridades sempre afirmarem que estavam fazendo o “dever de casa” (sabe-se lá o que isso significa…), foram seis crises cambiais e o constante monitoramento do FMI, que colocaram a economia numa armadilha que impedia o desenvolvimento nacional.


 



De fato, o Plano Real não se tratava simplesmente de um plano eleitoreiro, mas de um programa que se inseria num projeto mais amplo de inserção do Brasil na nova ordem internacional. Esse projeto, sim, fracassou de forma retumbante.


 


 


Notas


 


 


(1) Resumidamente, a inflação inercial parte da hipótese que nos processos inflacionários crônicos, a inflação passada é a principal causa da inflação presente. Isso quer dizer que os preços são reajustados de acordo com a inflação observada no período imediatamente anterior. A indexação para a correção monetária dos preços e salários tende a propagar a inflação passada para o futuro.


 


 



(2) ARIDA, Pérsio e REZENDE, André Lara (1986). Inflação zero, Brasil, Argentina e Israel. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Os dois autores participaram tanto da elaboração do Plano Cruzado quanto do Plano Real.


 


 


(3) BELLUZZO, Luiz Gonzaga e ALMEIDA, Julio Gomes (2002). Depois da queda: a economia brasileira da crise da dívida aos impasses do real. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira (p.363).


 



(4) No lançamento do Plano Cruzado em 1986, o governo concedeu um reajuste de 15% no salário mínimo e de 8% em todos os salários.


 


 


(5) Crise do México (1994-1995), a crise asiática (1997-1998), a crise da Rússia (1998), o colapso do currency board da Argentina, o estouro da bolha especulativa no mercado de ações e os escândalos corporativos nos Estados Unidos (2001-2002).

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