"Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos"

Riso e cinismo em Nova York
Comédia de Woody Allen faz espectador rir das fraquezas, ansiedades e frustrações da classe média novaiorquina

              Como na maioria dos filmes de Woody Allen, este “Você Vai Conhecer O Homem dos Seus Sonhos” é pontuado por encontros e desencontros de casais da classe média. Com seus sonhos e frustrações, eles se constituem num microcosmo à parte de Nova York. Não se relacionam com os demais novaiorquinos, propriamente, pois suas vidas giram em torno de espaços e situações que lhes são próprios. E mesmo seus problemas parecem se limitar ao que eles construíram e deles sofrem as consequências. E nisto está a beleza deste filme.

              Assim “Hanna e Suas Irmãs” trata de veladas paixões e traições numa família fechada em seu circulo intelectual e “VickCristinaBarcelona” mescla descobertas da arte de Gaudi às tempestuosas relações amorosas de um artista plástico com sua mulher e a amante inglesa. Não é diferente em “Tudo Pode Dar Certo”, com seus intelectuais periféricos procurando rejuvenescer através de casos com adolescentes. Todos vivem em seu restrito mundo, dele saindo quando muito para caminhadas e piqueniques no Central Park.

             Neste “Você Vai Conhecer O Homem dos Seus Sonhos” é a quiromancia, na qual acredita piamente a idosa Helena (Gemma Jones), divorciada do setentão Alfie (Anthony Hopkins), que faz a ligação entre os entrechos. Através de sua cartomante, ela descortina a carreira de escritor do genro Roy (Josh Brolin), o futuro da filha Sally (Naomi Watts) e o que ela mesma deve esperar da vida. Às vezes, Allen ri disso tudo, mostrando as fraquezas dos personagens, apontando suas contradições e avançando o que irá lhes acontecer, devido à insistência deles no que jamais pode dar certo.

              É o que acontece com Alfie, feito por um Hopkins que não tem medo de desnudar sua idade. Decidido a rejuvenescer, ele cai no fitness, enfrentando aquela bateria de pesos, exercícios, caminhadas, ansiando repor os músculos. E nessa procura acaba encontrando Charmaine (Lucy Punch), de vida indefinida, porém jovem e esperta o suficiente para cativá-lo. Alfie também tem suas espertezas. Montou luxuoso apartamento para atrair suas namoradas, inclusive Charmaine.

       Diferenças de idade
          provocam o humor
No entanto, não é só a diferença de idade que provoca o riso aqui, este brota do comportamento dela, verdadeira perua, lutando para esconder o passado nada dignificante. É a roupa que veste, o jeito de falar, a maquiagem excessiva e a tendência a elevar o nível de testosterona dos parceiros de fitness que a torna engraçada. Como nas comédias malucas, Allen expõe o que vai dar o relacionamento deles quando Alfie a apresenta à filha Sally e ao espectador. A maneira como ela se contorce para mostrar-se sofisticada é hilariante. Não é preciso adivinhar o que terá de fazer Alfie para manter as aparências.

            Tampouco edificantes, sem o mesmo humor, são os entrechos que envolvem Sally e Roy e por extensão Helena. Ambos são dados a maledicências, rancor e palavrões. Principalmente Roy, que reage com ódio a tudo que Helena lhe fala. Sua única evasão é quando flerta com a indiana Dia (Freida Pinto) através da janela de seu apartamento. Ele termina por atraí-la para uma nada digna tramóia para obter a visibilidade almejada no mercado literário.

             São por assim dizer, sequências de drama numa comédia em que Allen pende para subtramas amorosas. Algo platônico, quando Sally, formada em artes, não resiste ao charme do galerista Geg (Antonio Banderas). Ela tem seus instantes de dúvida, não culpa por tender a trair Roy. Comporta-se quase como uma adolescente, temendo não ser correspondida. Não há humor nestas sequências, tampouco tragédia, pois, como já situado, Allen se mantém em seu habitat natural: o mundo das artes, no qual as aparências, as rasteiras e as frustrações escoam naturalmente. E Sally aprende isto da forma mais brutal.

             O que rende bom riso, porém, são as sequências em que Allen brinca com a cartomante, o espiritismo e a crença de que os mortos falam com os vivos por meio de sinais. Helena, crente em tudo isto, está mais interessada em ver as previsões da cartomante se confirmar com Jonathan, que na validade daquele ritual. É uma fantasia, uma busca desenfreada de uma segunda chance no amor na terceira idade. E Allen mostra suas possibilidades. Brinca até com Alfie, quando este vê que seus esforços com Charminie serão em vão. Uma brincadeira deveras cínica, mas válida.

            Então, Allen mesmo dando estas voltas, permanece no círculo das artes, com seus personagens flutuando em sofisticadas galerias de arte, teatros luxuosos, ópera, literatura. Meios que tornam os personagens escravos de rituais e signos distantes do cidadão comum, mas sobre os quais basta uma olhada para descobri-los corrosivos e frustrantes, sem glamour algum. Há sim, suor, lágrimas e por que não, muita conversa fiada. Entretanto, Allen com sua câmera sempre fixa, fazendo os personagens se locomover por ambientes que lhes são próprios torna o filme leve e agradável. O que não é pouco.

Você Vai Conhecer O Homem dos Seus Sonhos” (“You Will Meet a Tall Dark Stranger”) Comédia. EUA/Espanha. 2010. 98 minutos. Roteiro/Direção: Woody Allen. Elenco: Anthony Hopkins, Antonio Banderas, Josh Brolin, Naomi Watts, Gemma Jones, Lucy Punch, Frieda Pinto.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor