Vou te contar: João Hélio e a imputabilidade

No dia 27, os pais do garoto João Hélio Fernandes, de 6 anos, que foi arrastado por 7 km no lado de fora de um carro por assaltantes no Rio de Janeiro, fizeram um apelo contra a violência no depoimento que encerrou o capítulo diário da novela Páginas d

O assassinato do garoto por três facínoras, no dia 7 de fevereiro, repercutiu – e repercute – intensamente. Ocorreu na parte maravilhosa da capital fluminense e não naquela para a qual Jesus está de costas, como diz a canção de Chico Buarque. Na quarta feira, 7 de fevereiro, João Hélio e sua irmã de 13 anos foram levados pela mãe para a evangelização e foram assaltados. Os bandidos arrastaram o garoto preso pelo abdome ao cinto de segurança num trajeto que cruzou 14 ruas e quatro bairros da zona norte do Rio, sem que fossem notados pela polícia. Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara, estátua continuou. Os meios de comunicação e os políticos – em especial os conservadores – se lançaram numa campanha pela redução da responsabilidade penal, aproveitando a circunstância, cada vez mais repetida, de menores de 18 anos realizarem crimes violentos.


 



No Brasil, boa parte dos delinqüentes estão nas ruas, inclusive os que deveriam estar cumprindo pena. A Justiça tarda e falha. De dentro das penitenciárias, bandidos aprimoram seus métodos de ação e aperfeiçoam suas organizações criminosas. No aparato policial, a impunidade favorece a ação também bandida de muitos membros das corporações. E o grande problema é a maioridade penal…


 


No ano passado, a economia brasileira cresceu apenas 2,9 por cento, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Um dos piores desempenhos América Latina, que cresceu a uma média de 4% ao ano, enquanto o crescimento mundial foi de 4,8% ao ano, no mesmo período. Há mais de dez anos, o crescimento da economia brasileira menor do que o crescimento mundial. Desde 2003, o Brasil tem crescido menos do que a América Latina todos os anos. E desde 2004 o emprego está estagnado, segundo Pesquisa Industrial Mensal de Empregos e Salários feita pela Fiesp. É preciso, realmente, resolver com urgência a questão da maioridade penal.


 


Mas a economia da droga cresce. E assusta, dando vazo à crueldade, ao descomedimento, à falta de limites. Criminosos, sob o efeito de drogas, multiplicam a violência e a selvageria de seus atos. Aliás, na etimologia da palavra assassino está o consumo do haxixe por grupamentos do Norte do Irã na época das Cruzadas, antes de lutar contra os invasores que vinham impor o cristianismo aos povos da região. As autoridades brasileiras estão empenhadas em controlar o tráfico, e as apreensões de cocaína no Brasil dobraram desde 2004, segundo a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, da ONU (menos de 7 toneladas em 2004, mais de 15 tn em 2005 e mais de 13 tn em 2006, segundo a Polícia Federal). Mas essas apreensões são bem menores que as realizadas na Venezuela, por exemplo (mais de 23 tn apenas nos primeiros nove meses do ano passado) ou no Equador (mais de 40 tn em 2005). Drogas à parte, a grande questão é a maioridade penal.


 



Numa de suas frases célebres no jornal A Manha, o Barão de Itararé – que foi vereador pelo Partido Comunista do Brasil no Rio de Janeiro – referiu-se ao então chefe de governo, Getúlio Vargas, dizendo: “O problema do menor é o Maior do Brasil”. Criticava, assim, o descaso do Executivo com políticas educacionais, sociais e promotoras do bem-estar da juventude. Hoje, há uma sensibilidade maior por parte do governo federal para esses problemas, mas salta à vista a insuficiência das medidas até agora adotadas, além do flagrante equívoco de programas assistenciais “emergenciais” que se vão perenizando, viciando o cidadão, como cantava Luiz Gonzaga.


 


Simultaneamente, a ideologia dominante, individualista e segregacionista ao extremo, vai se espraiando – assim como as taxas de lucro do grande capital financeiro e a exclusão social. No mesmo período em que o drama de João Hélio e sua família ocorreu, os bancos começaram a divulgar seus novos recordes de lucros, no país campeão de má distribuição de renda. E, na mesma noite do sofrido depoimento dos pais do garoto na novela, a audiência do BBB-7 alcançou seu melhor índice, com média de 47 pontos no Ibope (cada ponto equivale a 178,3 mil telespectadores na Grande SP), com 67% de participação (TVs ligadas no canal) para assistir as trapaças e baixarias dos contendores.


 


A emissora que monopoliza a audiência faz sedutores apelos diuturnos para que essa baixeza seja assistida e, hipocritamente, divulga que, na TV aberta, os pais conseguem escolher aquilo que seus filhos (crianças como João Hélio, ou adolescentes como um de seus assassinos) vão assistir… Mais uma vez, o grande problema deste país é a maioridade penal.



 


“Hoje eu não estou legal. Sei lá, mil coisas…” lamentava Ubu, o personagem de Alfred Jarry.

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