Will Capa Preta: Hip-Hop em pauta

Após o 3º Encontro Nacional da Nação Hip-Hop Brasil, no Litoral de São Vicente-SP de 28 a 31 de janeiro, tenho a possibilidade de fazer uma breve avaliação proxima da dimensão do impacto gerado na minha vida e na vida de lideranças, militantes, artistas e adeptos do movimento hip-hop no Paraná.

Quando soubemos que o encontro da Nação contaria com a participação de vários expoentes do movimento hip-hop, a rapaziada do Paraná se mostrou entusiamada. Mas quando tamamos o conhecimento da grade de programação com debates, palestras, apresentações nacionais e internacionais, e intervenções artisiticas, aí eu pensei “mano, o bicho vai pegar”.

E o bicho pegou mesmo. Poucas vezes na minha vida algo ou alguma coisa me despertou um sentimento verdadeiro de pertencimento do tipo isso aqui tambem é nosso. Foi nesse clima que ocupamos a orla da praia da Biquinha. Eu acredito que os fatores que contruibuiram pra esse sentimento nobre foram vários, pois de uma coisa tenho certeza, nunca tinha visto na história do Brasil os filhos de escravos de ontem, que são os filhos das favelas de hoje, voltarem a São Vicente, palco inicial da Colonização Portuguesa e ponto de atracagem dos Navios Negreiros, para um mergulho na história podendo recontar sua verdadeira versão.

Só quem é, sabe o que estou dizendo. Encontrar com a favela na areia da praia, porém dessa vez não com uma caixa de isopor na cabeça vendendo cerveja e gelados, nem com a cabeça entre a calçada e o coturno do PM, muito pelo contrário, discutindo ativamente a geo-politica-socio-economica do país. Isso deixa qualquer um de cabelo um pé.

Organização e logística nota 10, cadastramento sem fila, hora sagrada do rango, acampamento garantido. Vamos aos debates. Debaixo de tendas enormes, portando ventiladas e frescas, formou-se o espaço certo para discuções apimentadas onde palestras se transformavam em debates e vice-versa. Poder sentar pra ouvir e ser ouvido quebrou todos os protocolos, e mais importante, incentivou os interessados a participar do debate.

Os representates do movimento hip-hop no evento como DBS, Douglas – Realidade Cruel, Renan – Inquérito, Aliado G – Face da Morte, Mano Oxi – DNA , Toni C. – Hip Hop a Lápis, Nelson Triunfo, Zé Brow, Raisule e Anderson 4P, inauguraram um novo formato estratégico de pensar a Revolução não só através dos quatro elementos do hip-hop, nas letras de rap, no graffit, e na dança, mas também no fortalecimento de lideranças políticas fortes e representativas de fato. Aliás a Revolução só será possível através do conhecimento e consciência crítica, e para isso é preciso possuir e construir cultura.

Entre tantas formas de libertação humana, acredito à literatura ser uma das mais eficientes, por isso foi apresentada mais uma ferramenta de luta: a Literatura Marginal e/ou a Literatura do Oprimido, com a apresentação da 2º edição do Livro Hip-Hop a Lápis com a contribuição de 60 autores. Para fechar todo esse molho foi gerado o embrião da Rede Latino America de Hip-Hop através da representação da Actitude Maria Marta – Argentina, Legua York – Chile e Area 23 – Venezuela, todos já membros da organização Hip-Hop Revolução.

Imaginem vocês como deixamos confusos os que acreditam e reproduzem a visão arcaica de que favelado é sujeito, mas nunca de direito. Esses mesmos sujeitos, conscientes de seus direitos, formaram um aglomerado de mais de mil participantes de várias partes do Brasil, além de outros grupos locais que se fundiram à pancada grave do rap no palco da areia.

Informo também que nenhum incidente foi registrado pela PM durante os quatro dias de evento, até arrisco o palpite de dizer que nenhum foco de violência aconteceu.

A Nação Hip-Hop Brasil deu um passo fundamental no protagonismo das lutas populares brasileiras. Apresentamos um movimento de jovens ativos, politizados, articuladores e mobilizadores de seu próprio povo, com plena capacidade organizacional e operacional. O Hip-Hop sozinho não é a solução, somos um processo de luta intensiva que quer garantir o reconhecimento de um coletivo legitimo e atuante nas últimas decadas, capaz de conduzir o seu destino através da sua própria identidade. Porque é do povo que viemos e com o povo faremos.

Will Capa Preta é rapper, morador de Curitiba no Paraná

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