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A cruzada de Bolsonaro contra a ciência

Nem mesmo o sempre discreto e disciplinado ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Marcos Pontes, se conteve. Diante do […]

Nem mesmo o sempre discreto e disciplinado ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Marcos Pontes, se conteve. Diante do remanejamento de cerca de R$ 635 milhões de sua pasta – que eram destinados ao financiamento de pesquisas e agora serão distribuídos para sete ministérios –, Pontes falou em “falta de consideração”.

“Os cortes de recursos sobre o pequeno orçamento de Ciência do Brasil são equivocados e ilógicos. Ainda mais quando são feitos sem ouvir a Comunidade. Científica e Setor Produtivo. Isso precisa ser corrigido urgentemente”, tuitou o astronauta-ministro, neste domingo (10), dois dias após a aprovação do Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) 16/2021, que alterou o Orçamento.

Seu colega Paulo Guedes, cada vez mais isolado em Brasília, porém ciente de que a Economia seria responsabilizada pelo novo e escandaloso ataque à ciência brasileira, fez seu ministério emitir uma nota para atribuir à decisão ao presidente Jair Bolsonaro: “Essa proposta de alteração ocorreu para cumprir decisão governamental quanto à necessidade de remanejar recursos neste momento”.

Venha de onde vier a determinação, o fato é que a medida volta a atestar o desapreço da gestão Bolsonaro com a ciência. Quem dera os descalabros partissem apenas de um ministro ou se resumisse ao que Marcos Pontes classifica como “falta de consideração”.

Na realidade, este é um governo que, de ponta a ponta, age para pôr em xeque estudos e recomendações científicas – um símbolo desta era de “pós-verdade” e fake news. Daí a naturalidade com que, numa canetada, praticamente suspendem o apoio federal a pesquisas (atuais e futuras), retirando 92% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Essa cruzada contra a ciência é muito mais que uma mera excentricidade ou bizarrice pontual. “Negar a ciência e usar esse negacionismo em políticas públicas não é falta de informação – é uma mentira. No caso triste do Brasil, é uma mentira orquestrada pelo governo federal e pelo Ministério da Saúde – e essa mentira mata”, disse a microbiologista Natalia Pasternak, em junho, durante seu depoimento como testemunha à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado.

Segundo a especialista, a ação mitômana de Bolsonaro e cia. “leva pessoas a comportamentos irracionais, que não são baseados em ciência. Isso serve para o uso de máscaras, distanciamento social, para a compra de vacinas que não foi feita em tempo para proteger a nossa população”. Com isso, mais de 600 mil brasileiros já morreram de Covid-19.

Também em junho, um estudo publicado na Global Public Health mostrou que o governo Bolsonaro adota em seu discurso um padrão de negacionismo e apela à pseudociência em diversas pautas – da questão ambiental à pandemia de Covid-19. A pesquisa se baseava em 7.200 notícias publicadas sobre a pandemia em quatro jornais (Folha de S.Paulo, Estadão, O Globo e Valor Econômico).

Ao lado da relativização dos impactos da crise sanitária, os pesquisadores acusaram no governo o “uso inadequado da ciência para dar um verniz de cientificidade aos argumentos” públicos. “As falas do presidente subestimaram a seriedade da pandemia, estimularam a desinformação como estratégia política e promoveram a pseudociência, enfraquecendo as ações do Ministério da Saúde”, declarou a pesquisadora Lira Luz Benites Lázaro, uma das autoras do estudo.

Além do passivo – de todos os estragos já causados –, o governo parece empenhado em comprometer o futuro da ciência e dos cientistas no Brasil. O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) é um dos alvos ameaçados, conforme uma nota publicada divulgada na sexta (8). O texto é assinado pelos presidentes da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), ABC (Academia Brasileira de Ciências), ANM (Academia Nacional de Medicina) e ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos).

É o CNPq que gere o fundo de pesquisa atingido pelo corte. “Um dos pontos nevrálgicos do projeto simplesmente desapareceu: a liberação de R$ 515 milhões para fomento à pesquisa, que seriam realocados em benefício do CNPq. Estes recursos serviriam para cobrir os custos da retomada da Chamada Pública Universal, anunciada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em 31 de agosto”, afirmam as entidades. “Quando mais precisamos da ciência, a equipe econômica age contra a lei, com manobras que sugerem a intenção deliberada de prejudicar o desenvolvimento científico do Brasil.”

Para 20 de outubro, essas e outras entidades convocam o Dia Nacional de Mobilização em Defesa da Ciência. A diretoria da ANPG quer aproveitar a data para promover uma paralisação nacional, envolvendo pós-graduandos e toda a comunidade científica. Essa batalha, porém, não pode ficar restrita ao setor. Defender a ciência, a vida e a democracia é parte uma luta maior contra o governo de destruição liderado pelo presidente. Só resta uma saída: #ForaBolsonaro.