A missa mal contada do BID sobre a Previdência

Uma missa contada pela metade. Assim pode ser definido o estardalhaço que a chamada "grande mídia" fez com os dados divulgados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) dando conta de que o Brasil seria o país da América Latina que mais gasta com aposentadorias, e onde essas "despesas" têm trajetória mais explosiva. As hipérboles pulularam. O jornal O Globo, por exemplo, disse que "o gasto excessivo com Previdência no Brasil, aponta o estudo, revela um desequilíbrio que compromete as gerações futuras".

Há vários fatores a serem considerados, além dos dados atirados a esmo pelo noticiário, sempre apoiados por editoriais e colunas que contemplam apenas os números frios, alinhados de forma a tentar justificar verdadeiros assaltos aos direitos do povo. Em primeiro lugar, é preciso considerar que nos países latino-americanos o número de potenciais beneficiários é muito baixo devido ao elevado grau de informalidade do mercado de trabalho. Na média, metade dos trabalhadores da região não possui carteira assinada e, por isso, não contribuem e nem se beneficiam da previdência.

O Brasil tem o mérito de possuir um sistema bem capilarizado, que garante sua sustentabilidade levando em conta questões como a elevação histórica do Produtudo Interno Bruto (PIB) e a produtividade da economia. Num regime em que a economia consegue crescer de forma minimamente sustentada, ele é perfeitamente factível. Óbvio, as fontes de financimento devem ser atualizadas, sobretudo para atender às demandas da chamada revolução demográfica, mas o essencial é fazê-lo ser apoiado numa dinâmica econômica progressiva.

A receita do BID é neoliberalismo em estado puro. O Banco diz que os países da América Latina, inclusive o Brasil, devem direcionar os gastos públicos, cortando, além das aposentadorias, os salários dos servidores públicos. Para adequar o Estado ao seu molde, o BID recomenda eliminação de cargos e freio nas contratações de servidores — duas medidas que já foram tomadas pelo Ministério da Economia em acordo com o programa ultraliberal e neocolonial do ministro Paulo Guedes, por meio de dois decretos editados por Jair Bolsonaro.

Essas medidas se inserem no padrão mundial de rebaixar os rendimentos do trabalho para garantir o imenso poder financeiro dos grandes grupos privados. Ou seja: as privatizações e a busca agressiva da produtividade por meio da pressão sobre os países para a liberalização de suas economias — principalmente a chamada “flexibilização” das leis de proteção social e trabalhista — representam uma barreira que o capital tenta erguer contra o trabalho.

Aumento da produtividade quer dizer, sucintamente, mais valor agregado à produção por cada hora trabalhada. A apropriação deste valor é a grande questão posta em debate com a imposição das regras do capitalismo contemporâneo, responsáveis por uma rápido agravamento da pauperização social. Além do desemprego gigantesco, existem outros fatores que contribuem para essa situação. Baixos salários, regimes de superexploração, trabalho escravo de presos e infantil e restrições à liberdade sindical são cada vez mais frequentes no mundo.

Ameaças a aposentadorias, férias e adicionais de remuneração, restrições na assistência médica, no seguro-desemprego e em outros benefícios também estão presentes. As consequências de tudo isso passam longe da cartilha dos neoliberais. Para eles, esse é o preço a pagar para que as economias possam sustentar seus crescimentos, um dogma frequentemente repetido em seus seus programas de governo, nas análises do noticiário econômico e na pauta política da mídia.

O mantra é repetido não para estimular a reflexão e o debate, mas para pregar mentiras como verdades à força da repetição. A proposta de "reforma" da Previdência no Brasil, por exemplo, é apresentada como se ela não pudesse ser julgada em termos de "contra” e "a favor”, como se fosse um programa partidário, um sistema de ideias sobre o qual não há a opção de aderir ou rejeitar.

Como eles se imaginam os donos absolutos da verdade, acham que podem impor seu pensamento único como um conjunto de realidades que passaram a fazer parte da vida econômica mundial. Veem a resistência dos povos como alguma coisa tramada por “esquerdistas”, não se sabe bem como, e promovida mundo afora pelos partidos progressistas e seus sindicatos. No Brasil, esse tom autoritário ecoa diariamente na mídia hegemônica e no governo, e precisa ser rebatido com determinação e combatividade.