A punição dos torturadores continua atual

Uma declaração do tenente coronel da reserva do Exército Maurício Lopes Lima ao jornal A Tribuna de Santos– expõe, de […]

Uma declaração do tenente coronel da reserva do Exército Maurício Lopes Lima ao jornal A Tribuna de Santos– expõe, de forma direta, a atualidade da questão do julgamento e punição dos torturadores da ditadura militar de 1964. A tortura era “uma coisa normal” e generalizada, reconheceu ele. “Sua empregada roubou, você a levava lá à delegacia, aí o delegado já (dizia): ‘Pode deixar que a gente vai dar um pau nela’. Dali a um pouquinho, ela voltava. Pegou um dinheiro, emprestou pra fulano de tal, tá em tal lugar… Então, é comum, em todas as delegacias do Brasil”. Afirmou ainda que todo preso político (“terrorista”, nas palavras do ex-chefe militar) era torturado. “Todo. Não tem exceção”. Revela assim que a tortura era um meio de repressão política e também de “investigação” contra civis acusados de atividades distantes de qualquer significado político, como suspeitas de roubo.

O tenente coronel, juntamente com os oficiais da reserva do Exército Homero Cesar Machado e Innocencio Fabrício de Mattos Beltrão, e o capitão aposentado da PM paulista, está sendo processado pelo Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) pela prática de tortura e pelo assassinato de presos políticos ocorridos em 1970. Na época ele chefiou equipes de investigação na Operação Bandeirantes (Oban) e depois no Doi-Codi em São Paulo. Entre suas vítimas está a presidenta eleita Dilma Rousseff, que foi presa e torturada por eles. São acusados também do assassinato de Virgilio Gomes da Silva (o “Jonas”) e do sequestro e tortura de sua esposa e filhos (entre eles um bebê de apenas quatro meses, que recebeu choques elétricos). Entre os torturados está também frei Tito que, transtornado pela tortura, suicidou-se meses depois, no exílio, na França.

Tortura e assassinato de prisioneiros são crimes contra a humanidade e, nesta condição, imprescritíveis. No começo do ano o Supremo Tribunal Federal contrariou esta convicção ao decidir pela validade da lei de anistia de 1979 que incluiu em sua abrangência os chamados crimes “conexos”, isto é, o sequestro, tortura e assassinato de prisioneiros cometidos por agentes da repressão.

Não foi uma decisão unânime pois pelo menos dois entre os nove juízes daquela corte — Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Brito — manifestaram uma opinião que honra a consciência jurídica e democrática brasileira. “Não se pode ter condescendência com o torturador. A humanidade tem o dever de odiar seus ofensores porque o perdão coletivo é falta de memória e de vergonha”, justificou Ayres de Brito.

Ele tem razão. A condenação dos torturadores é uma questão de consciência que tem desdobramentos práticos: a impunidade cria o caldo de cultura onde ainda vicejam aquelas práticas bárbaras que constituem o cotidiano das delegacias de polícia e presídios brasileiros. Além de passar a limpo fatos graves da história recente, a condenação da tortura e a punição dos responsáveis por ela são condição para a civilização das práticas policiais. Daí a atualidade da questão, expressa no cínico reconhecimento da existência da tortura manifestado pelo tenente coronel Maurício Lopes de Lima.