Akmal Shaikh e o toque de finados para o imperialismo
Não há sentido, nem gosto, em comemorar a morte de qualquer ser humano. "Nenhum homem é uma ilha", escreveu o […]
Publicado 30/12/2009 22:14
Não há sentido, nem gosto, em comemorar a morte de qualquer ser humano. "Nenhum homem é uma ilha", escreveu o poeta britânico John Donne em 1624. "A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido". Por isso, concluiu, "nunca perguntes por quem os sinos dobram: eles dobram por ti".
Se não há sentido na morte de um homem, principalmente se ela não for natural, ela pode ter significados. E é esta a reflexão despertada pela execução na China, dia 29, do cidadão britânico Akmal Shaikh, nascido no Paquistão há 53 anos. Ele foi condenado por tráfico de drogas pela justiça chinesa, que não encontrou motivos para atender aos pedidos de clemência e determinou que a sentença fosse cumprida.
Sua execução poderia ter sido um lamentável mas comum acontecimento envolvendo nações onde a lei determina a pena capital para crimes considerados muito graves. É assim na China, como nos EUA (onde a clemência para suspender execuções dessa natureza nunca é a regra) e outros países que adotam a pena de morte.
O simbolismo cruel do drama do qual Shaikh foi o protagonista central vai, contudo, muito além de sua pessoa. É a primeira vez, em quase sessenta anos, que um europeu é executado na China, indicando desta forma trágica uma mudança radical nas relações entre os países. E o simbolismo é particularmente significativo por envolver a Inglaterra, uma antiga potência colonial notória por impor suas leis, interesses e a proteção a seus cidadãos pelo mundo afora, e a China, que até 1949 sofreu justamente imposições coloniais duras e cruéis, promovidas por potências européias, entre elas a própria Inglaterra. Que, aliás, continua tratando com leviandade crimes cometidos por seus próprios policiais, como ocorreu no caso do brasileiro Jean Charles, assassinado em Londres em 2005.
O Brasil já fora vítima, no passado, de imposições daquele tipo, quando Londres impunha ao mundo colonial suas regras de extra-territorialidade – isto é, só juízes ingleses moradores desses países podiam julgar cidadãos britânicos, com base na lei britânica.
O simbolismo da execução de Shaikh reside na demonstração de que este passado está acabando e que quaisquer cidadãos (mesmo britânicos) precisam acatar e obedecer as leis dos países onde porventura se encontrem.
Talvez esteja aqui a explicação para a perplexidade e desapontamento manifestados pelo primeiro ministro britânico Gordon Brown ante a inclemência da justiça chinesa: o mundo está mudando. Perplexidade partilhada aparentemente pela mídia que torce pelo estremecimento das relações entre China e Inglaterra. Mas a resposta da chancelaria da China foi pronta, reagindo às críticas reafirmando a "soberania judicial da China" e acusando as acusações britânicas de infundadas.
A morte de um homem é sempre lamentável. Entretanto, os sinos que tocaram por Akmal Shaikh, tocaram também para o imperialismo. Este talvez tenha sido um dos significados de sua morte.