Entrevista revela opções de Lula

O impacto das declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na imprensa de alguma maneira acabou sendo sombreado pela divulgação de que o dólar rompera a marca de R$ 2,00 – passando a ser cotado a R$ 1,99 na última terça-feira. Mas mesmo assim, a primeira entrevista coletiva do Presidente neste segundo mandato ocupou várias páginas dos diários que circularam no país, além de servir de tema para a maioria dos analistas políticos. De fato, Lula fez uma proclamação de respeito às regras do chamado jogo democrático, como não poderia deixar de ser pela sua trajetória, responsabilizando o Congresso Nacional pela tarefa de legislar sobre o aborto, de que não admite a hipótese de um terceiro mandato e de que todos têm o direito de mudar de opinião, ao responder uma pergunta sobre como encarava a mudança de conteúdo de discurso de adversários do passado, como Geddel Vieira Lima e de Mangabeira Unger, hoje membros do executivo.


 


Grande destaque foi dado pela revelação pública do projeto político do Presidente. Lula declarou ser contra a apresentação de qualquer proposta no Congresso que lhe dê a possibilidade de concorrer a um terceiro mandato, mas foi enfático ao dizer que “eu quero fazer o meu sucessor porque eu desejo que tenha continuidade o que estamos fazendo no país. Quero fazer e vou trabalhar para isso”. Ele afirmou que lutará para passar a faixa presidencial para um candidato da aliança governista. O nome não será necessariamente do PT, frisou o Presidente. O chefe do Governo, entretanto, adiantou opiniões polêmicas sobre outros temas sensíveis para a luta dos trabalhadores, especialmente o que se refere ao direito de greve de servidores públicos, em debate na sociedade e no Ministério do Trabalho. O presidente da CUT, Artur Henrique, argumentou que não há como limitar o direito de greve sem antes regulamentar a negociação coletiva no setor público.


 


Certas iniciativas recentes do Governo não compareceram à entrevista do Presidente.
Podemos destacar três fatos recentes neste sentido. O primeiro, a culminância de um processo que envolveu diversas instâncias governamentais e a sociedade civil nos debates ocorridos durante a realização do I Fórum sobre TVs Públicas. É preciso que se diga que este movimento capitaneado pelo governo brasileiro vai no sentido inverso dos esforços reiterados do pensamento único neoliberal hegemônico, sistematicamente divulgado pela TV comercial. O segundo, foi a decisão de quebrar a patente de remédio para tratamento de Aids, que vai de encontro aos interesses da grande indústria farmacêutica e do governo norte-americano e, por fim, o terceiro, com a determinação do Brasil de aderir à construção do Banco do Sul, contrariando as orientações explícitas do Fundo Monetário Internacional.


 


No primeiro caso, o governo se comprometeu a protagonizar a construção de um modelo brasileiro de TV pública, de caráter laico, respeitando as diferenças religiosas e ideológicas. Além disso, Lula reconheceu que a criação da TV Pública não será barata e que necessitará de financiamento. O presidente voltou a dizer que a TV pública não será uma emissora chapa-branca, mas de debates dos grandes temas nacionais, como a produção do biodiesel, o uso de célula-tronco, o aborto e a energia-nuclear. Afirmou, ainda, que embora seja necessário muito dinheiro para implantação da TV pública, a rede deverá ter qualidade para atrair os telespectadores.


 


O fato seguinte, com grande repercussão mundial, foi a inédita decisão do governo brasileiro de quebrar a patente do anti-retroviral Efavirenz, comercializado pelo laboratório Merck Sharp&Dohme. No Brasil esse medicamento é utilizado por cerca de 75 mil pacientes de Aids atendidos pela rede pública. O governo vai importar genérico da Índia. Com isso, proporcionará uma economia aos cofres públicos na compra do remédio alternativo da ordem de US$ 30 milhões. O laboratório americano Merck já se pronunciou sobre o caso como um “sinal perturbador”, que poderá desencorajar investimentos em medicamentos para o tratamento de doenças que proliferam em países pobres.


 


O terceiro fato citado foi o anúncio feito pelo Ministro da Fazenda, Guido Mantega, em Quito, no Equador, apoiando a proposta já defendida pelo presidente da Venezuela Hugo Chávez e pelo presidente Néstor Kirchner, da Argentina, de criação do Banco do Sul, como um instrumento poderoso a mais no caminho da integração latino-americana. O Brasil poderá apresentar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, como o seu cotista, sendo a primeira vez que o governo brasileiro se tornaria sócio de uma instituição desse porte sem a participação direta do Tesouro Nacional. Desta forma, o Brasil contrasta a política econômica defendida diariamente pelos principais bancos e instituições financeiras internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID, o Banco Mundial e o próprio FMI.