Lula e o direito de greve

Parece que não é só o “PT que gosta de dar tiros no pé”, como lamentou, em recente reunião da direção deste partido, a sua principal referência nacional, o presidente Lula. Também o governo tem esta mania. Exatamente no momento em que se discute como impulsionar o Programa de Aceleração da Economia, visando destravar o crescimento e gerar de empregos, alguns ocupantes do Palácio do Planalto resolveram comprar briga com os trabalhadores – um setor decisivo para o sucesso do PAC. Desde a semana passada, eles decidiram trazer à tona a extemporânea proposta de restrição do direito de greve dos servidores e dos trabalhadores dos chamados “serviços essenciais” – numa clara afronta ao sindicalismo.



O primeiro a defender essa regressão foi o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, um dos principais expoentes do conservadorismo no interior do governo depois da queda de Antonio Palocci. Foi ele quem anunciou a intenção de apresentar um projeto de restrição da greve, que estaria embalado na ratificação da Convenção 157 da OIT. “Em alguns setores, a greve tem que ser proibida”. Na seqüência, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ex-dirigente da CUT, surpreendeu a todos ao defender a mesma tese. “Não é a proibição pela proibição, até porque não resolve. Mas é definir que o servidor tem que dar garantias do serviço público. É inaceitável uma greve que paralise setores essenciais que prejudicarão a sociedade”.



Para entornar de vez o caldo, o próprio presidente Lula saiu em defesa de Paulo Bernardo e ironizou as reações dos sindicalistas. “Eles não devem ter gostado das manchetes dos jornais”. Lula chegou a dizer que ele seria o único presidente em condições de propor tal projeto, “justamente por ter sido sindicalista”. Argumentou que “há abusos em algumas greves” e que é preciso “pagar um preço pelos exageros”. Na bucha, Wagner Gomes, vice-presidente da CUT e dirigente da Corrente Sindical Classista (CSC), retrucou: “A afirmação do presidente de que seu governo tem autoridade para estabelecer essa medida antidemocrática é ininteligível. Deveria ser o contrário: um governo chefiado por um ex-sindicalista deveria ter a autoridade para coibir abusos como este proposto pelos interesses conservadores”.



Na seqüência, a executiva nacional da CUT divulgou uma nota pública em que afirma que “a greve é um direito constitucional e normalmente é o último recurso dos trabalhadores”. Quanto à paralisação no setor público, argumentou que, como não há garantias de negociação coletiva, “muitas vezes a greve é a única possibilidade de forçar as autoridades a abrir um processo de diálogo, a marcar uma simples audiência. Portanto, o conceito de abuso merece ser mais bem analisado. Abuso, no entendimento da CUT, é a insistência de autoridades nos três níveis de governo em não abrir negociações com os trabalhadores… Debater a regulamentação da greve sem estabelecer e regulamentar a negociação coletiva é inviável”.



Como se observa, o tema promete gerar polêmicas e desgastes, exatamente na hora em que os esforços deveriam estar focados na imediata viabilização do Programa de Aceleração da Economia (PAC). Lula se projetou no cenário político como a liderança que desafiou às restrições ao direito de greve nos tempos da ditadura. Na época, costumava afirmar nas assembléias lotadas de Vila Euclides que “a restrição é legal, mas não é legitima”. Com Lula à frente, os trabalhadores usaram corajosamente o recurso da greve, contribuíram para derrubar a ditadura e alcançaram avanços nesta legislação na Constituinte de 1989. O desafio hoje é o de ampliar este direito, garantindo a livre organização sindical – inclusive nos locais de trabalho – e aperfeiçoando os mecanismos de negociação coletiva. Seria um desastre se este governo, oriundo daquelas lutas grevistas, entrasse para a história como o culpado por regressões neste direito.