Márcio Pochmann X FHC
Duas entrevistas publicadas semana passada, uma com o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, no jornal […]
Publicado 14/10/2007 22:29
Duas entrevistas publicadas semana passada, uma com o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, no jornal O Globo (10/10), e outra com o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, na revista Exame, delineiam com clareza duas concepções de Estado. Pochmann, em suas respostas, procurou mostrar como o Estado foi esvaziado do ponto de vista empresarial durante os anos noventa, principalmente na era FHC, quando houve a transferência de 15% do PIB e 166 empresas foram privatizadas. Conclui que as despesas do Estado caíram, mas também se perdeu receita. Aponta como saída o crescimento econômico, mostrando que nos últimos 25 anos o país cresceu a uma média de 2,6% ao ano. Se tivéssemos mantido a promessa de crescer 5%, 6% ao ano o Brasil seria hoje a quarta economia do mundo. O que se verificou, comprova o economista do Ipea, foi que a redução do Estado provocou na realidade a diminuição do setor privado nacional. Nos anos 90, durante as privatizações, quem comprou a maior parte das empresas privatizadas foi o capital estrangeiro. Das 500 maiores empresas do início da década de 90, apenas 1/3 não eram nacionais. Agora, mais de 50% dessas empresas são de capital estrangeiro.
Já o ex-presidente Fernando Henrique, em um balanço dos últimos 40 anos de história econômica do Brasil, atribui à crise do petróleo “a desorganização da capacidade do Estado de investir”. FHC lembra que “Collor promoveu a abertura, mas desmontou o Estado pensando em reorganizá-lo”. Diz também que o Plano Real, por ele capitaneado, entrou no contexto da chamada ‘modernização’ e que o gasto social expandiu-se e o investimento em infra-estrutura diminuiu. Confessa que os militares montaram um bom sistema de telecomunicações, que depois foi por ele mesmo privatizado. Procura desqualificar a atual orientação das agências reguladoras — que durante seu governo foram praticamente doadas às grandes empresas — dizendo que agora estão sendo “partidarizadas”, e que o “brasileiro tradicionalmente gosta do Estado”.
Em sua visão, os intelectuais participam dessa concepção tradicional, enquanto que o Congresso brasileiro “está cheio de gente contrária ao capitalismo”. Aproveita a ocasião para atacar os setores progressistas, classificando-os de “ter um retrovisor na frente. São utopias regressivas…” Termina sua análise afirmando que o empresário quer juro baixo e proteção do Estado, e que a visão da boa sociedade ainda é corporativa, do período Getúlio Vargas. O ex-presidente FHC encerra seu arrazoado assegurando que o setor privado tem se fortalecido nos últimos tempos, mas que influencia apenas na esfera econômica, não na agenda nacional. “Assim fica difícil criar uma nação”…
Bem diferente é a opinião do presidente do Ipea. Pochmann constata o óbvio, quando diz que o setor privado investe onde tem retorno e que o setor público deve estar onde o setor privado não tem interesse. Há uma série de áreas estratégicas, demonstra ele, em que são necessários investimentos que o setor privado não vai fazer, como por exemplo, a biotecnologia, os novos materiais, a nanotecnologia, a nova matriz energética, os fármacos, a área de defesa. “É preciso uma conversa com o setor privado tendo como foco a idéia do longo prazo”. O economista se pergunta: Qual é a perspectiva do capitalismo? E responde: teremos 500 grandes empresas dominando o mundo em qualquer setor da atividade econômica. Quais serão as empresas brasileiras que jogarão neste mercado mundial? A privatização foi mal feita no Brasil. Nós não criamos os jogadores, salvo algumas exceções, como a siderurgia. Pochmann diz ainda que o Brasil poderia reduzir sua carga tributária em cerca de 5%, se cortasse gasto com juros. É o gasto financeiro, argumenta ele, que não gera emprego, que formata uma sociedade extremamente desigual, uma polarização intensa entre ricos e pobres.
Nesse rumo de debater as perspectivas econômicas do país a longo prazo é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu convocar 100 dos principais empresários brasileiros para uma discussão aberta e ampla sobre o futuro do Brasil. Foi o que disse o presidente a líderes dos partidos aliados em um jantar realizado no Palácio do Alvorada. Lula citou nessa oportunidade a visita que os empresários do grupo Votorantim lhe fizeram para anunciar investimentos de R$ 25,7 bilhões até 2012. Em outra ocasião os executivos do grupo Alcoa, segundo maior produtor de alumínio do mundo, asseguraram investimentos de US$ 5 bilhões nos próximos três anos. Além desses, a Companhia Vale do Rio Doce costura um projeto de crescimento para os quatro ou cinco anos envolvendo recursos da ordem de US$ 40 a US$ 50 bilhões.
Apesar dos índices econômicos favoráveis, a única concessão feita por FHC em sua entrevista foi dizer que os chamados fundamentos econômicos do Brasil estão melhores e que Lula está contando com a sorte de um contexto mundial favorável. Nega, entretanto, qualquer virtude às iniciativas que têm sido tomadas neste governo para inverter a lógica neoliberal, da qual sempre o ex-presidente foi protagonista. Como disse Márcio Pochmann, o PAC não promove, ele viabiliza os investimentos. Se o investidor sabe que haverá infra-estrutura, ele vai investir.