Mutilação da Previdência é tragédia histórica
O arremate da “reforma” da Previdência Social no Senado representa o fim de uma era. A entrada dos trabalhadores em […]
Publicado 23/10/2019 14:40
O arremate da “reforma” da Previdência Social no Senado representa o fim de uma era. A entrada dos trabalhadores em cena com protagonismo político mais organizado, depois de 388 anos de escravismo, garantiu direitos sociais como conquistas importantes e fundamentais, esteios da modernização do país no século XX.
Entre elas, a aposentadoria se destaca por ser, em primeiro lugar, um justo mecanismo de distribuição mínima da renda nacional; em segundo lugar, por amparar os que, após dar a sua contribuição à economia nacional, precisam deixar o mercado de trabalho. São conquistas que atravessaram parte do século XIX e o século XX. Custaram jornadas heroicas e sangrentas para se consolidarem após a Revolução de 1930.
A tragédia da "reforma" da Previdência Social – agora os trabalhadores vão contribuir mais, receber menos e terão menos cobertura social – tem essa dimensão histórica. Ela é produto da ideologia que, ao longo dessa caminhada, se opôs, não raro de maneira violenta, à ideia de que o trabalho também tem direitos. E para isso é preciso haver liberdade de organização, de manifestação e de expressão para a classe trabalhadora.
O autoritarismo da direita se expressa com mais agudeza exatamente na ação para coibir esses direitos. No Brasil, eles nunca foram amplos e irrestritos, mas o pouco que avançaram foi o suficiente para despertar a reação dos que encarnam a ideologia escravista, depois envernizada com o liberalismo, que se manifesta com o controle do Estado por políticas que cerceiam a inserção do povo na dinâmica da economia para além do trabalho cruciante.
Essa constatação explica por que, em períodos autoritários, os alvos são as organizações – partidárias e sindicais, sobretudo – formadas pela ideologia do trabalho. Foi assim com o golpe de 1964, está sendo assim com o golpe de 2016. É a restauração da ordem plena do capital, que em épocas de crise aguda, como atualmente, tenta arrancar as metas de lucros com seu garrote ou no porrete. Como resultado, forja uma sociedade em que milhões trabalham – quando há trabalho – pela comida ou pouco mais do que isso.
São retrocessos históricos em um país que sequer realizou completamente a revolução burguesa. O modo de produção baseado na escravidão foi oficialmente abolido, o sistema político passou de monarquia à República, o país trocou o campo pela cidade e a lavoura pela fábrica, mas a sociedade permanece assentada em enorme e perversa desigualdade. Nunca houve por aqui sequer um Estado de bem-estar social com garantias para além de alguns direitos de proteção ao trabalho, conquistados à base de lutas e em governos com força política para agir como árbitro entre capital e trabalho.
A “reforma” da Previdência Social joga as relações trabalhistas para antes da Revolução de 1930. Mais uma vez, o capital se socorre de suas armas – o embuste, a manipulação ideológica e a afronta política – para descarregar nas costas dos trabalhadores o custo da crise. Sem pudor, os mentores da política econômica deste governo – sobretudo o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes – mandam espetar novamente essa conta salgada na mesa do povo.
Cumpre ressaltar que a tragédia poderia ter sido pior, se não houvesse a atuação combativa do movimento sindical e dos representantes da classe trabalhadora no parlamento. Os danos foram reduzidos, mas prevaleceu o rolo compressor neoliberal, movido a bilhões de reais em emendas do orçamento público federal liberados aos parlamentares.
O resultado indica a necessidade de perseverar nos esforços por uma frente ampla e unida, aglutinando os movimentos e entidades do povo e da classe trabalhadora para reverter esse jogo. Como se sabe, esse projeto dá em catástrofes e em explosões sociais, como acontece atualmente no Chile.