O Brasil precisa derrotar a aliança da especulação financeira

A aliança da especulação financeira dá sinais de incômodo com as últimas medidas do governo – e do Banco Central – na área econômica, que sinalizam a disposição concreta de ultrapassar o pacto pelos juros altos firmado na implantação do Plano Real, em 1994, e substituí-lo por um novo arranjo que enfatiza o fortalecimento do desenvolvimento, deixando para trás o tripé neoliberal dos juros altos, câmbio flutuante e superávit primário.

A gritaria começou com o aumento dos impostos para carros importados. No jornal O Estado de S. Paulo, o economista José Roberto Mendonça de Barros, um dos gurus da especulação financeira, esperneou usando os argumentos ultrapassados de sempre. A taxação dos importados, escreveu, contenta apenas industriais e sindicalistas mas prejudica os consumidores e a classe média – alegação que já era usada por comentaristas ligados à alta finança desde a década de 1940, quando combatiam o desenvolvimento industrial do país. O próprio título do artigo deste eminente neoliberal indica a aversão à mudança que se antevê: “A volta da aliança inflacionária”.

E vai por ele aí: aumentar os impostos dos importados prejudica a concorrência, situação agravada, pensa ele, pela “força do mercado de trabalho”, pela valorização do salário mínimo e pela volta dos investimentos do governo para fomentar o desenvolvimento e gerar empregos (inclusive contratando funcionários públicos). E ameaça com o risco da volta da inflação, baseado num diagnóstico antediluviano segundo o qual este dragão cresce ao lado do emprego e do aumento do consumo popular. Mendonça de Barros parece desconhecer que a inflação, hoje, decorre justamente dos preços administrados (eletricidade, telefonia, pedágios e outros serviços públicos privatizados pelos governos tucanos) amarrados a contratos que determinam reajustes acima da inflação, deixando o governo sem ação em relação a estes preços e favorecendo apenas as empresas privadas.

Na mesma semana, o jornalão paulista seguiu idêntica toada e, num editorial intitulado “Dilma Rousseff, no comando do BC” (dia 4) investiu pesadamente contra a iminência de queda na taxa de juros escandalosa que decorre da vigência, ainda, da aliança da especulação financeira que mantém forte influência na condição da política macroeconômica. Nunca é demais lembrar que, até o final do governo Lula, foi um homem ligado aos bancos que comandou o Banco Central – Henrique Meirelles – e que, sob Dilma, isso começou a mudar com a indicação de um funcionário de carreira do Banco Central, Alexandre Tombini, para dirigir aquela instituição. Dilma Rousseff “assumiu oficialmente o comando do Banco Central”, lamenta o jornal da família Mesquita.

É como se isso estivesse fora das atribuições da Presidência da República! Felizmente no Brasil o dogma da “autonomia do Banco Central” (isto é, da passagem de seu comando aos interesses financeiros privados) não conseguiu se impor graças à forte reação que esta ideia encontrou em vários setores da sociedade. O que houve, nos mandatos de Luís Inácio Lula da Silva, foi uma autonomia tolerada, provocada inclusive pelas condições em que o presidente-operário tomou posse. E que pode agora ser deixada de lado em virtude justamente das mudanças econômicas que seu governo promoveu e que Dilma Rousseff aprofunda, criando as condições para a retomada da autonomia da política econômica. Autonomia que se manifesta na ação conjunta entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda para aproveitar a janela de oportunidades representada pela crise internacional e que aponta para o fortalecimento da ação do governo no fomento do desenvolvimento, na redução dos juros, na adoção de uma política cambial que sirva aos interesses nacionais e na redução do superávit primário, que é a economia que o governo é obrigado a fazer para pagar juros à especulação. O editorial segue a mesma ladainha neoliberal de sempre, condena o “protecionismo”, agita o espantalho da inflação, etc.

Este é o eixo principal da batalha política em curso. Para consolidar o crescimento e avançar ainda mais, o país precisa derrotar a aliança da especulação financeira baseada nos juros escandalosamente altos e em uma política econômica favorável aos interesses da alta finança, em detrimento do país, dos trabalhadores e dos empresários da produção. Para vencer esta aliança de gordos especuladores, uma nova aliança se impõe, unindo os empresários nacionais da produção aos trabalhadores e movimentos sociais, pois somente ela dará força e respaldo ao governo para mudar a política econômica, baixar os juros, valorizar o salário e o emprego e fortalecer a nação.

As propostas neoliberais, de corte nos investimentos públicos, arrocho salarial e juros altos, naufragaram no Brasil e nos países da América Latina nas décadas de 1980 e 1990, provocando sacrifícios dos quais os brasileiros não se esquecem. Elas hoje naufragam na Europa e nos Estados Unidos onde o esforço de salvar os ricaços da crise jogando os custos sobre os ombros dos trabalhadores provoca, de um lado, desemprego e empobrecimento da população e, de outro lado, a volta da instabilidade social e politica que muitos julgavam superadas naqueles países.

O Brasil não aceita mais isso, como Dilma Rousseff tem insistido dentro do país por palavras e na prática ao tomar medidas para aprofundar o rompimento com o neoliberalismo. E afirmado no exterior, quando – em discursos na Europa – condenou a maneira como os governos locais enfrentam a crise, com arrocho salarial, cortes nos direitos sociais e aumento dos impostos. A imprensa brasileira, ligada à aliança da especulação financeira, criticou. E novamente está errada – está na contramão da história, para usar uma frase da qual eles abusaram nos anos passados para atacar quem se opunha ao neoliberalismo.