O desastre bolsonarista em cem dias

Cem dias andando para trás. Ao fechar esse simbólico ciclo inaugural, o governo do presidente da República Jair Bolsonaro coleciona um considerável acervo de feitos contrários aos interesses do país e do povo. A expressão — cem dias — foi criada por Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, quando ele apresentou, em 24 de julho de 1933, os êxitos dos seus atos “dedicados a pôr em marcha o New Deal” e tirar o país da Grande Depressão.

No caso de Bolsonaro, o sentido é inverso. Seu governo empreendeu ações que, apesar do pouco tempo, causou enormes prejuízos, especialmente ao povo trabalhador. O presidente, a seu modo, vem conduzindo um processo que expressa a essência do seu programa de governo. Mesmo com a notória desarticulação política no seu arco de apoio no Congresso Nacional, ele tem agido com determinação para materializar a sua agenda ultraliberal e neocolonial.

Ao proceder assim, Bolsonaro mostrou o seu pendor autoritário, impondo medidas que contrariam nitidamente os valores da nação, com destaque para os atentados à soberania nacional, à democracia e aos direitos sociais.

Num governo democrático, guiado pelos preceitos republicanos, cabe ao presidente a condução das ações políticas, como as relações com os demais poderes da República e a mediação com a sociedade. Mas Bolsonaro, com sua pequenez, tem se mostrado incapaz de desempenhar esse papel, ainda mais num país com a magnitude e a complexidade do Brasil.

O presidente tem se pautado pela conduta de achincalhar a oposição, com destaque para as hostilidades e ações provocativas contra a esquerda, tida por ele como inimigo interno a ser liquidado. Bolsonaro segue espalhando o ódio, semeando impasses e apostando na confrontação.

Nem mesmo com a sua pretensa base de apoio no Congresso Bolsonaro consegue desenvolver uma relação amistosa, pois somente ele, os filhos e um séquito de prediletos seriam honestos. O resto do Parlamento, da política é tratado com desdém. Até aliados de seu governo não escapam de seus conhecidos métodos truculentos, bem demonstrados na campanha eleitoral, quando se valeu do submundo das redes sociais.

Não há como negar, com base nos fatos, que este governo tem um viés autoritário, com vocação ditatorial e traços de fascismo. No caso dos ataques à democracia, há, como exemplo mais eloquente, a ordem de Bolsonaro para que as Forças Armadas organizassem “comemorações” do golpe militar de 1964 — depois mitigada quando uma significativa onda de rejeição à ideia se levantou. Ele reiterou, com essa ação, sua contumaz apologia aos crimes da ditadura militar, louvando torturas e torturadores.

Outro exemplo, também grave, é a proposta do “pacote anticrime” do seu ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que segue a linha de atentados ao Estado Democrático de Direito. Trata-se de um conjunto de ideias afeitas à violência, sem nenhum respaldo na ciência e nas concepções modernas sobre o combate ao crime e à corrupção, uma mera formalização de métodos condenáveis e sabidamente ineficientes para enfrentar o grave problema da segurança pública, que o povo clama por solução.

A política externa segue a banda, com uma submissão inaudita aos interesses imperialistas, sobretudo o estadunidense. Bolsonaro e sua equipe, que inclui o ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, protagonizaram nos Estados Unidos um espetáculo vergonhoso de submissão e vassalagem. Ademais, o governo não faz a menor cerimônia quando o assunto é o enfraquecimento da soberania nacional, entregando setores estratégicos de mão beijada à cobiça internacional. Um caso emblemático, nesse sentido, é a venda da Embraer para a Boeing, o que faz o Brasil abrir mão de um patrimônio tecnológico de suma importância para a soberania do Brasil.

Houve mais: a ameaça de transferir a embaixada do Brasil em Israel, que resultou no anúncio do escritório brasileiro em Jerusalém, prejudicou as exportações de commodities para os países árabes.

O Ministério da Educação, área chave para o desenvolvimento do país, está paralisado, preso ao caos em que se transformou com a nomeação do desastrado ministro Ricardo Vélez — agora sob o comando do não menos insensato ministro Abraham Weintraub, que assumiu reiterando a política de caças às bruxas e o viés ideológico anticomunista.

Os ataques aos trabalhadores também são um componente destacado dessa índole autoritária do governo Bolsonaro. Além da Medida Provisória editada com a finalidade de asfixiar financeiramente as entidades sindicais, houve a extinção do Ministério do Trabalho, ações com o objetivo explícito de fragilizar a organização dos trabalhadores, o segmento social com maior potencial de empreender ações contundentes contra os rumos desse governo de extrema direita. O objetivo é impor medidas amargas, como a “reforma” da Previdência Social e a intensificação dos entraves ao desenvolvimento do país, que já apresenta, como consequência, uma estratosférica cifra de desempregados.

Esse breve período não deixa margem à dúvida de que o governo Bolsonaro não tem o menor compromisso com o país e com o povo. Com um agravante: o presidente da República age para dividir o país em lugar de buscar a sua coesão; nega e sataniza a política, com o intuito de impor a sua agenda extremista; ataca a democracia e anuncia intenções explicitamente autoritárias.

Nesses cem dias, ficou mais do que evidente a necessidade de uma oposição consequente, ampla e comprometida com a ordem democrática, com os direitos do povo e com a soberania nacional.