Pérsio Arida – as aporias de um neoliberal

Embora a palavra “aporia” pareça pedante, seu uso se justifica para avaliar a entrevista com o banqueiro e economista Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real e da privatização promovida pelo governo tucano de Fernando Henrique Cardoso publicada pela Folha de S. Paulo (dia 16). Aquela palavra pode significar “dificuldade lógica”: aquela entrevista é um exemplo da profunda contradição dos campeões do neoliberalismo.

Por um lado, o ex-presidente do Banco Central e atual sócio do BTG Pactual quer a volta do Estado mínimo e do primado do mercado que ocorreu durante o período em que ele fez parte dos governos tucanos. Mas, por outro lado, e contraditoriamente, reconhece a necessidade da presença do Estado… quando se trata de salvar os bancos e, no limite, de preservar governos comprometidos com a preservação e fortalecimento do capitalismo.

Para salvar os bancos, ele não recua na recomendação de uma legislação mais dura que responsabilize os banqueiros pelos fracassos e prejuízos, mesmo à custa da perda não apenas de sua participação acionária nas instituições financeiras, mas também de seu patrimônio pessoal. Mas, para salvar os governos capitalistas, recomenda limites na imposição de sacrifícios ao povo os momentos de crise.

Ele aceita estatização de bancos como último recurso. “É melhor estatizar os bancos do que deixá-los quebrar”, afirmou. Em relação aos governos, foi claro. Falando sobre a maneira como os países europeus estão enfrentando a crise, acha normal haver demissão de funcionários públicos, redução dos gastos públicos e medidas semelhantes. Chama-as de “racionalização do Estado do bem-estar”. Mas alerta: ajustes muito radicais podem “gerar uma crise no tecido social que torna o país ingovernável. Precisa ter limites no processo, bom senso”.

Isto é, se apertar muito a coisa pode assumir dimensões incontroláveis e levar a ameaças para a própria manutenção do capitalismo. Uma “crise no tecido social”, diz, pode tornar “o país ingovernável”! Seria difícil ser mais claro!

Este tipo de ideia conservadora explica também as considerações do economista tucano em relação às mudanças que ocorrem no Brasil desde a posse de Lula na presidência da República, em 2003. Em primeiro lugar, ele insiste no dogma de que o país só pode crescer na faixa dos 3,5% ou 4% ao ano, um mantra repetido à exaustão pelos economistas neoliberais nos últimos anos. Passar disso, pensam, compromete as finanças públicas e pode acarretar inflação. A história recente desmente esse dogma mas os neoliberais insistem nisso por uma razão não confessada: para eles, a prioridade dos governos é o pagamento dos juros extorsivos da especulação financeira que, na opinião deles, pode ficar comprometido se o governo priorizar os investimentos para fomentar o desenvolvimento, deixando de seguir a receita conservadora de cortes dos investimentos estatais governo.

A ênfase fica ainda maior quando se trata da política de recuperação do valor do salário mínimo. Ela é “desastrosa”, diz. E justifica, atacando a base dessa política, acertada em 2007 entre o presidente Lula e as centrais sindicais, chamada pelo banqueiro tucano de “superindexação” justamente por prever a recomposição dos salários com base na inflação passada e a variação do PIB (que, na verdade, é a incorporação à renda do trabalhador dos ganhos de produtividade alcançados).

Ele alega, contra toda a evidência, que a política de recomposição do valor do salário mínimo “não distribui renda nem dinamiza a economia”. Política que vai, insiste ele, "na contramão de tudo que o país precisa".

E os fatos? Azar dos fatos! O que importa são os dogmas neoliberais antipopulares, do Estado mínimo e do “deus mercado”. A variação do valor dos salários, diz, deve ser deixada ao mercado. “O salário aumenta sozinho”, na fase alta da economia, diz, esquecendo o desastre para o povo, os trabalhadores e a economia nacional que foi o período em que ele e sua patota mandaram na economia brasileira, destroçando o valor dos salários, empobrecendo o povo e o país.

E aponta, também, o “problema” político – problema para os especuladores financeiros – envolvido na questão: “uma vez criada a regra, entendo que seja politicamente difícil escapar dela”, disse.

Pérsio Arida é um dos ideólogos e teóricos do pacto pela especulação financeira que dominou durante o período neoliberal de Fernando Henrique Cardoso e engordou, através da pilhagem das estatais, do desmonte do Estado e da escandalosa transferência de riquezas para um punhado de privilegiados através dos altos juros da dívida pública, a minoria de multimilionários que controla a economia brasileira.

Suas ideias precisam ser estudadas e combatidas por aqueles que, na outra ponta, lutam pela superação daquele pacto de pilhagem das riquezas nacionais e pela criação de uma nova aliança que, envolvendo trabalhadores, empresários da produção e governo, fortaleça a opção pelo desenvolvimento, pela valorização dos salários e do trabalho, para consolidar um mercado interno sólido que seja a base para o avanço da economia nacional e o bem-estar dos brasileiros.