Retaliações comerciais contra os EUA: a lei é para todos

A questão das retaliações comerciais do Brasil contra os EUA, autorizadas em novembro pela Organização Mundial do Comércio (OMC) poderão resultar em uma guerra comercial entre os dois países, prevê o jornal inglês Financial Times.

Aparentemente ninguém ganha com isso. Daí a prudência com que o governo brasileiro vem tratando o assunto, emitindo sinais do desejo de uma saída negociada para o impasse. O que está em jogo vai além das aparências e diz respeito a uma disputa política que se acentua com as reiteradas tentativas estadunidenses de manter velhas práticas diplomáticas que foram ultrapassadas com o novo protagonismo mundial da diplomacia brasileira e a ênfase na soberania nacional e na rejeição da subordinação do país a potências externas.

Março foi o mês da visita da secretária de Estado Hillary Clinton, que voltou para Washington sem conseguir dobrar o governo brasileiro a acatar as sanções que os EUA querem impor contra o Irã. E agora é a vez do secretário do Comércio Gary Locke desembarcar em Brasília a pretexto de negociar uma saída para o impasse comercial. Ele veio, contudo, de mãos vazias, sem nenhuma proposta além da declaração, que inclui uma ameaça implícita, de que os EUA não querem uma guerra comercial com o Brasil.

É preciso saber se os EUA estão em condições de fazer ameaças. Do ponto de vista legal, o Brasil agiu dentro das normas da OMC e tem o direito internacional a seu lado. Do ponto de vista comercial, os EUA deixaram de ser o principal parceiro comercial do Brasil (posição que a China passou a ocupar) e sua margem de manobra e autonomia é grande o suficiente para enfrentar arrogâncias desse porte. Do ponto de vista político – e é o que importa aqui – ao consolidar sua autonomia o Brasil confronta os interesses dos EUA cujos limites aparentemente estão sendo alcançados sem que o governo de Washington (e o Congresso dos EUA) indique ter se apercebido disso.

O impasse é inédito e diz respeito à contradição entre os interesses da maior potência imperialista e a vigência das normas do comércio internacional que devem ser acatadas por todos os seus signatários.

O descumprimento das normas da OMC significaria a desmoralização dos acordos duramente alcançados nos últimos anos. E seu cumprimento contra os EUA, que se colocaram à margem dessas normas ao adotar subsídios ilegais para os produtores locais de algodão, significa que nenhuma nação está à margem da lei internacional, nem mesmo a mais poderosa delas.

Sem propostas concretas dos EUA, a intenção do governo brasileiro de chegar a uma saída negociada não pode prosperar. Mas não há outro caminho: a época das imposições imperialistas dos EUA acabou e a única maneira de “salvaguardar a credibilidade e legitimidade do sistema de soluções de controvérsias” (como diz a nota divulgada pelo Itamaraty) é o respeito aos acordos internacionais e ao multilateralismo.