Rondônia: poderosos na prisão

O dia 4 de agosto será, certamente, inesquecível para o agricultor Manoel Dias. Naquela sexta feira, ele correu para a porta da sede da Polícia Federal, em Porto Velho, capital de Rondônia, para comemorar a prisão de autoridades envolvidas num dos maiores escândalos recentes de corrupção. “Esse é o país que a gente quer ver. É a lei para todos. Nunca pensei que um dia fosse ver isso: algemas em ladrões de paletó. Agora o bicho vai pegar. Viva a PF”, disse ele.


Aquele trabalhador estava certo em sua comemoração. Ele pode assistir, na capital de Rondônia, uma cena que – desde o início do governo Lula – mostra uma mudança radical na investigação de irregularidades cometidas por autoridades, não importa qual o poder a que estejam ligadas.


Em Rondônia, naquela manhã, a Polícia Federal deu continuidade à chamada “Operação Dominó”, e 23 pessoas, entre elas algumas que faziam parte do alto escalão dos três poderes no Estado.


E era apenas uma etapa de uma investigação que vai prosseguir. Todos os 23 presos são pessoas do alto escalão do Estado, entre eles o próprio presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia, o desembargador Sebastião Teixeira Chaves.


Entre as outras autoridades estão o presidente da Assembléia Legislativa do Estado, deputado José Carlos de Oliveira (PSL), o “Carlão”, suspeito de ser o líder daquela quadrilha de notáveis, o ex-procurador-geral de Justiça, José Carlos Vitachi, o vice-presidente do Tribunal de Contas de Rondônia, Edílson de Sousa Silva, além de outros juízes, desembargadores, promotores e mais nove deputados estaduais. Foram 60 mandados de busca e apreensão, numa ação que envolveu mais de 300 policiais federais do Amazonas, Distrito Federal, Mato Grosso, Acre e Rondônia. As outras autoridades presas são José Jorge Ribeiro da Luz (juiz de Direito), Haroldo Augusto Filho (filho do deputado Haroldo Santos, do PP), Gebrin Abdala Augusto dos Santos (filho do deputado Haroldo Santos), Rosa Salomé Soares (assessora do deputado Haroldo Santos), Carlos Magno (ex-chefe da Casa Civil de Rondônia e, no momento da prisão, candidato a vice-governador na chapa do governador Ivo Cassol, do PPS, candidato a reeleição), Jurandir Almeida Filho Junior (irmão do deputado estadual Amarildo Almeida, do PDT), Edons Wander Arrabal (assessor do deputado Amarildo Almeida), Eliezer Magno Arrabal (assessor do deputado Amarildo Almeida), Adelino César de Moraes (assessor do deputado Amarildo Almeida), Joarez Nunes Ferreira (assessor do deputado Amarildo Almeida), Marcos Alves Paes (chefe de gabinete do Amarildo Almeida), João Carlos Batista de Souza (assessor do deputado José Carlos de Oliveira), Lizandreia Ribeiro de Oliveira (irmã do deputado José Carlos de Oliveira), Moisés José Ribeiro de Oliveira (irmão do deputado José Carlos Oliveira), Márcia Luiza Scheffer de Oliveira (esposa do deputado José Carlos Oliveira), José Ronaldo Palitot (diretor da Assembléia Legislativa de Rondônia), Emerson Lima Santos (diretor de Recursos Humanos da Assembléia Legislativa de Rondônia), Marlon Sérgio Lutosa Jungles (cunhado do deputado José Carlos Oliveira), e José Carlos Cavalcante de Brito (servidor da Assembléia Legislativa de Rondônia). O governador Ivo Cassol (PPS) foi o úinico chefe de poder a não ser preso, embora seu nome tenha aparecido nas investigações.


A maioria dos membros da alta cúpula do Estado de Rondônia foi pega nas malhas da Polícia Federal e terá que ajustar contas com a justiça. Entre eles, 23 dos 24 deputados estaduais de Rondônia, cujos nomes aparecem nas investigações – o único que não é citado é o deputado é Neri Frigolo, do PT.


Todos fazem parte de uma quadrilha acusada de praticar diversos crimes administrativos, como desvio de recursos públicos, corrupção, prevaricação, concussão, peculato, extorsão, lavagem de dinheiro e venda de sentenças judiciais, tendo desviado, desde 2004, cerca de R$ 70 milhões dos cofres públicos, através do pagamento de serviços, compras e obras superfaturadas. Outra acusação contra o grupo é a de pressionar, em seu favor, agentes do poder Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e do poder Executivo estadual.


A descoberta da quadrilha que agia em Rondônia é mais um episódio que vai se tornando rotina no governo Lula: a investigação de denúncias contra autoridades envolvidas em esquemas para assaltar os cofres públicos e a prisão dos responsáveis, não importa a importância do cargo que ocupam, nem do partido a que pertencem. Que, no caso de Rondônia, são partidos da oposição ao governo Lula e que, nas CPIs do Congresso Nacional posam de vestais acusadoras, embora tenham pés de barros frágeis e, com frequência, expostos pela ação investigadora da Polícia Federal, da CGU, do Ministério Público, ou mesmo das CPIs em funcionamento no Congresso.


Estas são duas facetas da nova realidade que o país vive desde o início do governo Lula, em janeiro de 2003. A primeira: sob Lula, todos os organismos do governo responsáveis pela investigação de irregularidades podem agir com uma liberdade que nunca tiveram em nenhum outro governo da República. Os governos anteriores, particularmente os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, foram marcados por graves denúncias que não puderam ser investigadas porque o governo não permitiu. Neste, não. Além disso, a Polícia Federal e os outros organismos de investigação do governo federal, neste governo, não são obrigados a se deter ante o poder da hierarquia, e podem realizar seu trabalho, mesmo que ele envolva funcionários públicos, parlamentares ou membros do poder judiciário.


Esta é uma situação nova, que merece ser comemorada pelos brasileiros, da mesma forma como o agricultor Manoel Dias comemorou, em Porto Velho, a prisão de personalidades que ele, certamente, nunca pensou que veria presos.