Senado sofre ingerência do Executivo. Na Câmara, Maia é reeleito

Num contexto de um governo de extrema direita, com crescentes ameaças à institucionalidade democrática, a reeleição do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados é um fato político positivo. Deve ser contabilizado como um fator de resguardo da autonomia do Poder Legislativo. Isso porque setores da esquerda e de outras forças democráticas, ao votarem em Maia, souberam arrancar do campo adversário espaços institucionais que serão úteis para que a oposição a Jair Bolsonaro exerça a resistência democrática no parlamento em condições menos adversas.

Em contraste, na eleição à presidência do Senado Federal, ainda inconclusa, o que se viu, no dia 1º de fevereiro, foi um rolo compressor do governo Bolsonaro, comandado pelo ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni, para entronizar um presidente que seja fantoche do Palácio do Planalto. Para tal, passando por cima do Regimento da Casa, atropelando a Constituição, desrespeitando uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), uma maioria de ocasião impôs o voto aberto como forma de facilitar a pressão do governo sobre os senadores(as).

Essa ofensiva, todavia, foi anulada pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, Segundo ele, essa maioria “operou verdadeira metamorfose casuística”. O ministro também considerou uma aberração o fato de o senador Davi Alcoluumbre (DEM-AP) presidir a sessão preparatória da eleição sendo ele um dos candidatos. Isso afrontou o princípio da legalidade, da impessoalidade e da moralidade, segundo Toffoli. A manobra bolsonarista escancarou, aos olhos da opinião pública, a ânsia do presidente da República de pretender tutelar a presidência do Senado.

As candidaturas de Calheiros e Maia não nasceram no Palácio do Planalto. Ambos eram tidos pelos bolsonaristas como representantes da “velha política”, segundo eles algo que deveria ser varrido do Congresso Nacional. Com essa visão, o PSL, o principal abrigo do bolsonarismo, lançou um candidato à presidência do Senado, o senador eleito por São Paulo Major Olímpio, e uma penca de candidatos na Câmara dos Deputados. Por absoluta falta de apoio, essas candidaturas foram sendo retiradas, restando apenas a do General Peternelli (PSL-SP), que obteve apenas dois votos. Bolsonaro, então, se viu forçado a dialogar e a negociar com a “velha política” e encampar a candidatura Maia.

Ao que tudo indica, o quartel-general do bolsonarismo avaliou que seria demais ter que engolir uma “dose dupla” de presidentes no parlamento sobre os quais não tem total controle. Daí se desencadeou essa operação de guerra para tentar impedir a vitória do senador alagoano.

Voltando à eleição da Câmara, é certo que Maia, a partir de suas convicções e das negociações que realizou, teve que se comprometer publicamente com a agenda ultraliberal do governo Bolsonaro. (Aliás, com suas singularidades, o mesmo fez Renan). Houve, sim, com esse dado, uma meia vitória do bolsonarismo. Mas é preciso contabilizar, também, o fato de que Maia assumiu compromissos com a oposição — a esquerda e a centro-esquerda — de respeitar a institucionalidade do parlamento, assegurando espaços para a sua atuação nas prerrogativas da Mesa Diretora, nas comissões e nas relatorias.

O PCdoB atuou intensamente nesse processo, em especial na Câmara dos Deputados — onde possui bancada —, e, na sua tomada de posição, fez uma minuciosa leitura tática do atual processo político, inclusive apoiando, politicamente a candidatura de Renan Calheiros no Senado. Em sua visão, o PCdoB constatou que, com Bolsonaro na Presidência da República, o Poder Executivo está sob controle da extrema direita.

No Poder Judiciário, com o ex-juiz Sérgio Moro no Ministério da Justiça e Segurança Nacional, secundado por juízes e procuradores da chamada Operação Lava Jato, a corrente que desrespeita a Constituição e afronta o Estado Democrático de Direito se fortaleceu. As Forças Armadas, mesmo considerando que não são um bloco monolítico, além das suas complexidades e diferenciações, no fundamental estão comprometidas com o respaldo político ao governo Bolsonaro.

Para o olhar do PCdoB, restava, então, entre as instituições da República, o parlamento com algum espaço a ser disputado; onde a esquerda tem uma considerável representação graças ao voto popular. Seria essencial, ao se constatar a realidade do processo de definição dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, a busca de influência no resultado, explorando o que se conhece na história como contradições no campo adversário e, assim, conquistar espaços mínimos para a oposição exercer a resistência democrática no âmbito da institucionalidade do país.

Esses espaços no parlamento (maiores ou menores conforme o resultado do Senado) servirão para, além da importante batalha legislativa, ecoar no Poder Legislativo as vozes das ruas, a mobilização popular organizada pelos movimentos sociais. A luta pelos direitos previdenciários, em especial a aposentadoria, será o primeiro exemplo desse embate. O voto e as ações dos partidos e dos parlamentares contra a “reforma” da Previdência Social certamente amplificarão as mobilizações das centrais sindicais e demais entidades sociais.

Aguardemos o desfecho da eleição do Senado Federal para que tenhamos um quadro definitivo sobre o grau de autonomia do Poder Legislativo.