Camila Pitanga: Em defesa do Papai Noel negro

Temas como o racismo e os direitos LGBT entraram no radar da atriz

A atriz Camila Pitanga, participará com o pai, Antônio Pitanga, do projeto Malês

Mais politizada do que nunca, Camila Pitanga tem se dividido em várias frentes. A atriz atua na peça Por Que Não Vivemos? e estrela o especial Juntos a Magia Acontece, que será exibido na quarta-feira (25) de Natal, na TV Globo. Está, ainda, no elenco da série Aruanas, também da Globo, e de Malês, filme sobre o levante de escravos muçulmanos em Salvador no século 19, a ser rodado no ano que vem.

Sem contar a apresentação do Superbonita, o programa da GNT que, segundo Camila, carrega uma dimensão política. “É uma oportunidade de rever padrões, de falar sobre a liberdade com o próprio corpo e sobre a quebra de estereótipos, o que pode ser muito polêmico”, afirma.

Camila aceitou um convite da rapper MC Martina para assistir a uma apresentação de slam, uma batalha de versos, no Complexo do Alemão. No mesmo dia, antes, foi a um protesto pela morte de Marielle Franco, a vereadora do PSOL assassinada com seu motorista Anderson Gomes, em 2018.

A atriz teve a chance de conhecer Marielle nos encontros em que participaram para discutir a intervenção militar na segurança do Rio. “Marielle era uma força da natureza, singular na maneira de se colocar, na assertividade, na astúcia.” Mesmo exausta com a manifestação sob sol forte, e sem ter almoçado, Camila seguiu em direção ao morro do Alemão para assistir ao slam na laje.

“Foi muito mágico ver aquela galera. Eles tinham uma vitalidade, uma perspectiva de construção, de futuro”, diz Camila. “Marielle estava viva ali. Eu vi seu legado de empoderamento, de autoestima, principalmente de autoestima preta. Fico até arrepiada de lembrar. A gente não vai se calar, o legado dessa mulher não vai ser esquecido. Essa conquista ninguém vai conter, não tem como voltar atrás. A boiada já está solta.”

Para Camila Pitanga, a tragédia ocorrida na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo, no início do mês, foi “uma barbárie”. Nove adolescentes e jovens foram mortos após uma ação da polícia em um baile funk. Segundo a atriz, esse tipo de ação – que sugere que jovens negros devem ser eliminados – provoca um genocídio. “Segurança, se não tiver minimamente ligada à educação, a um projeto de cidadania, vira só confronto, vira só morte. No Brasil, todo jovem negro parece ter um alvo na testa.”

A história oficial sobre os negros escravizados, diz Camila, está contaminada por uma visão racista. Apresenta o negro como incapaz, quando, na verdade, muitos possuíam saberes sofisticados, como matemática e física. O filme Malês, dirigido por seu pai, Antonio Pitanga, no qual Camila e o irmão dela, Rocco, atuam, contesta essa tradição. “Parafraseando o samba-enredo da Mangueira, que tive a honra de fazer parte, é ‘contar a história que a história não conta’. Os negros viveram a tragédia da escravidão, mas tinham poder, conhecimento, e não eram passivos, reagiam!”

As telenovelas, diz, também são aliadas no combate ao racismo. Nesse aspecto, a atriz considera Amor de Mãe, em exibição na Globo, “poderosa”. No folhetim, os negros estão representados em personagens diversos, como uma advogada, uma tenista e uma professora de escola pública. Em uma das cenas, a professora se agacha com os alunos para se proteger de um tiroteio.

Mas a comunidade, diz, não é mostrada apenas em seu aspecto violento. “Tem tragédia e vida acontecendo, não é um olhar folclórico e estereotipado, é importante essa pluralidade de leituras. A ficção trabalha com a sensibilidade da audiência, cria um fio de respeito e solidariedade com pessoas que também fazem parte do Brasil.”

Camila será uma das protagonistas de Juntos a Magia Acontece. O especial de Natal da TV Globo retrata uma família negra de classe média, enlutada, que tem conflitos, mas permanece unida. A atriz participou, em 2017, como uma espécie de orientadora, do Laboratório de Narrativas Negras para o Audiovisual, feito pela Globo em parceira com a Festa Literária das Periferias (Flup). Foi lá que conheceu a autora Cleissa Regina Martins e o argumento que deu origem ao especial.

Quando o ator Milton Gonçalves surgiu vestido de Papai Noel no set, ela diz que foi impossível não se emocionar. “Quem disse que Papai Noel não pode ser negro? É algo que diz muito sem ser panfletário, mas através da delicadeza, do afeto, da emoção. O racismo é um tema tão duro, desconfortável, e, contudo, o que permeia o programa é o amor.”

Namorando há um ano a artesã Beatriz Coelho, Camila também sai em defesa do movimento LGBT. “Tem tantas pessoas de relevância, com uma história importante de liderança, de vocação. Para mim é tudo ainda tão novo, tão pessoal e tão íntimo, que prefiro viver na dimensão do privado. Até para poder falar em nome disso, primeiro quero respeitar a minha vivência, porque senão [a militância] fica na frente da própria experiência. Não é em nome de uma causa, não é para ninguém, eu só estou vivendo.”

No começo de 2020, a atriz gravará a segunda temporada da série Aruanas – uma trama sobre mulheres ativistas em luta pela Amazônia, com Camila no papel de uma lobista que defende empresários”. Já na peça Por Que Não Vivemos?, com direção de Marcio Abreu, fundador da Cia Brasileira de Teatro, ela interpreta a viúva Anna Petrovna, uma aristocrata decadente. Os personagens da história se queixam de uma vida enfadonha, mas não movem uma palha para sair do marasmo, caem na cilada de ficar estagnados.

Ainda que o contexto histórico e geográfico da história seja outro, diz, a conexão com o Brasil atual é imediata. “Esse desânimo, essa incredulidade e a afasia, a sensação de não ter perspectiva, isso tudo conversa com o momento que vivemos. O painel geral do país está afetando a saúde das pessoas. Mas o que você faz com essa desilusão? A gente dá uma cutucada nas pessoas.”

O próprio título da peça, Por Que Não Vivemos?, é uma pergunta que convida à reflexão, acredita Camila Pitanga. Em um momento do espetáculo, a atriz se vira para a plateia e faz uma provocação: “Você vai ficar aí nesse lugar? Escarafunchando a descrença? E aí, vai ficar?”.

Com informações do Valor Econômico