Obra da poeta pernambucana lembra a pintura de Edward Hopper e os poemas de William Carlos Williams
Publicado 07/01/2020 12:35 | Editado 07/01/2020 12:40
Os poemas de Gerusa Leal, autora pernambucana que reside na cidade de Olinda (PE), são pequenas narrativas visuais que recordam a pintura figurativista de um Edward Hopper ou os poemas objetivistas de autores norte-americanos como William Carlos Williams. São peças curtas, concisas, imagéticas, que retratam o cotidiano de maneira ora lírica, intimista, ora sarcástica e irônica.
Seus temas recorrentes são as lembranças familiares, a natureza, a passagem do tempo, as relações interpessoais, mas também a mitologia e a própria poesia. É uma autora que merece ser lida.
*
CLIMÁTICA
O outono cintila em prata
nos cabelos dela.
No sorriso largo
e na blusa florida
ainda passeia, descuidada
a primavera.
*
SESTA NA CASA DA AVÓ
A cadeira de balanço, quieta.
A louça do almoço, lavada,
brilhando no secador.
O carrilhão do relógio
é o único som pela casa.
*
NA SAÍDA DO BECO
Na saída do beco
os dois esbarraram
com a morena
procurando
por seu homem.
A cicatriz no rosto
da loura ficou tão
comprida que nem
mesmo o véu cobria.
*
COMO FAZIAM
TODAS AS MANHÃSA mãe diante do fogão.
O pai à mesa, lendo o jornal.
Ela de pé à porta da cozinha
esperando pelo bom dia que
nunca mais ouviria.
*
TÃO DOCE, COM AQUELE
SOTAQUE DE GATOBem diverso do ronco
do motor em alta velocidade,
tentando chegar com ela
ao hospital, acelerando
na contramão.
*
COM O DINHEIRO DELA
O cordão dourado que ele
lhe dera, imitação barata.
Bem mais vagabundo
que os brincos achados
na gaveta de cuecas
*
SILÊNCIO D’ÁGUA
Voz da empregada
latidos do cachorro
gritos das crianças, ruído
própria pulsação.
Tudo some pelo ralo da pia.
*
CONSTATAÇÃO
pássaro esvoaça na sala
sem saída, se deixa ficar
*
vaso de violetas
na pia do banheiro
toalha amarela
*
vozes ao longe
de encontro familiar
para que mais poesia?