Comunista vem de comum, de coletivo, de comunhão, de comunitário

Por que tanto medo e tanto ódio de uma palavra tão bonita? E pensar que o homo sapiens foi comunista durante 90% de sua existência.

Foto: Aldarey Tamandaré

Comunista vem de comum, do latim communis que também quer dizer universal.

Comum vem de pertencente a todos ou a muitos.

Comum tem por sinônimos: coletivo, conciliatório, conjunto.

Comum é a origem de comungar, comunhão, comunicação, comunitário.

Comunismo pode ser participação, copropriedade (aí mora o medo!), cooperativismo, colaboração, solidariedade, condomínio (quem diria), segundo o precioso “Dicionário Analógico da Língua Portuguesa”, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo.

Os primeiros comunistas da história são da pré-história: os caçadores-coletores, aqueles valentes que viviam do que caçavam e colhiam. São os tataravós da humanidade, que tanto têm pra nos ensinar.

Os homo sapiens foram caçadores-coletores durante 90% da sua existência. Somos geneticamente comunistas, portanto.

Os povos indígenas isolados são comunistas e mesmo os que mantêm cuidadoso e restrito contato com os não-índios (nós), mesmo eles vivem em estado de comunismo.

No tempo histórico, só a meros 20 mil anos deixamos de ser comunistas – por isso, muito cuidado da próxima vez que olhar no espelho, vai que encontra o comuna que se esconde dentro de você? Ele está louco pra se libertar, não aguenta mais a pressão de ter que ser o que não é, de querer ter o que não precisa e de sacrificar a vida para deixar os ricos mais ricos. E de, podre de rico, ter milhões de infelicidades.

Comunista não tem propriedade. O que é dele é de todos. E cada um ganha de acordo com a sua necessidade.

O mérito, no comunismo, é um valor coletivo. Não tem essa de “eu mereço”. Todos merecem.

No comunismo, o trabalho é a afirmação do prazer.

Tudo ia maravilhosamente bem, apesar dos trancos da vida (e da Terra bravia), até que um dia um infeliz decidiu que era preciso parar, dominar a natureza e acumular – com a desculpa de que era razoável guardar provisões para os dias de seca, de chuva, de neve. (Parece que a preguiça inventou o capitalismo, olha a contradição).

Muito tempo depois, um francês chamado Jean-Jacques Rousseau disse que o grande erro dos nossos tataravós pré-históricos foi não impedir o primeiro homem de cercar um terreno e dizer “é meu”. Alguém tinha de ter levantado e gritado: “Defendei-vos de ouvir esse impostor, estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém” (Rosseau).

Mais adiante, outro esperto acreditou que a tecnologia iria nos salvar do trabalho. A roda, a máquina, o computador ralariam por nós, a produção de bens aumentaria e todos iríamos ter mais tempo para o melhor da vida.

Quando viu o que a tecnologia tinha feito com os humanos, que tinha nos transformado em escravos das máquinas, um barbudo chamado Karl Marx imaginou que era possível mudar o jogo, criar uma sociedade igualitária, sem classes sociais, sem Estado, sem propriedade privada.

Voltaríamos a ser caçadores-coletores, só que com roupas, carros, computadores, passagem aérea e hospedagem em igualdade de condições para todos. E uns pajés pra nos conectar com o mistério e a natureza para nos alumbrar. Não deu certo.

E pensar que nós, os homo sapiens, fomos tão felizes e por uns 180 mil anos!

Conceição Freitas é repórter, cronista e dona de uma banquinha de afetos brasilienses.

Fonte: Metrópoles