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Dito no Pacaembu: o poema de Pablo Neruda para Luís Carlos Prestes

Militante do Partido Comunista do Chile, o poeta Pablo Neruda (1904-1973) era próximo também dos comunistas brasileiros. Em 15 de julho de 1945, quando o Estádio do Pacaembu, em São Paulo, recebeu 100 mil pessoas no comício em homenagem a Luís Carlos Prestes, o artista chileno esteve presente e leu ao público seu poema dedicado ao dirigente brasileiro. Em 1950, a poesia, batizada de Dito no Pacaembu, foi publicada no livro Canto Geral. Confira abaixo o poema-discurso de Neruda.

Neruda e Prestes
Dito no Pacaembu

(Pablo Neruda)

Quantas coisas quisera hoje dizer, brasileiros,
quantas histórias, lutas, desenganos, vitórias,
que levei anos e anos no coração para dizer-vos,
pensamentos
e saudações. Saudações das neves andinas,
saudações do Oceano Pacífico, palavras que me
disseram
ao passar os operários, os mineiros, os pedreiros,
todos
os povoadores de minha pátria longínqua.
Que me disse a neve, a nuvem, a bandeira?
Que segredo me disse o marinheiro?
Que me disse a menina pequenina dando-me
espigas?

Uma mensagem tinham: Era: Cumprimenta Prestes.
Procura-o, me diziam, na selva ou no rio.
Aparta suas prisões, procura sua cela, chama.
E se não te deixam falar-lhe, olha-o até cansar-te
e nos conta amanhã o que viste.

Hoje estou orgulhoso de vê-lo rodeado
por um mar de corações vitoriosos.
Vou dizer ao Chile: Eu o saudei na viração
das bandeiras livres de seu povo.

Me lembro em Paris, há alguns anos, uma noite
falei à multidão, fui pedir auxílio
para a Espanha Republicana, para o povo em sua
luta.
A Espanha estava cheia de ruínas e de glória.
Os franceses ouviam o meu apelo em silêncio.
Pedi-lhes ajuda em nome de tudo o que existe
e lhes disse: Os novos heróis, os que na Espanha
lutam, morrem,
Modesto, Líster, Pasionaria, Lorca,
são filhos dos heróis da América, são irmãos
de Bolívar, de O’Higgins, de San Martín, de Prestes.
E quando disse o nome de Prestes foi como um
rumor imenso
no ar da França: Paris o saudava.
Velhos operários de olhos úmidos
olhavam para o fundo do Brasil e para a Espanha.

Vou contar-vos outra pequena história.

Junto às grandes minas de carvão, que avançam
sob o mar,
no Chile, no frio porto de Talcahuano,
chegou uma vez, faz tempos, um cargueiro
soviético.

(O Chile não mantinha ainda relações
com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Por isso a polícia estúpida
proibiu que os marinheiros russos descessem,
e que os chilenos subissem).
Quando a noite chegou
vieram aos milhares os mineiros, das grandes
minas,
homens, mulheres, meninos, e das colinas,
com suas pequenas lâmpadas mineiras,
a noite toda fizeram sinais, acendendo e apagando,
para o navio que vinha dos portos soviéticos.

Aquela noite escura teve estrelas:
as estrelas humanas, as lâmpadas do povo.
Também hoje, de todos os rincões
da nossa América, do México livre, do Peru
sedento,
de Cuba, da Argentina populosa,
do Uruguai, refúgio de irmãos asilados,
o povo te saúda, Prestes, com suas pequenas
lâmpadas
em que brilham as altas esperanças do homem.
Por isso me mandaram, pelo vento da América,
para que te olhasse e logo lhes contasse
como eras, que dizia o seu capitão calado
por tantos anos duros de solidão e sombra.

Vou dizer-lhe que não guardas ódio.
Que só desejas que a tua pátria viva.
E que a liberdade cresça no fundo
do Brasil como árvore eterna.

Eu quisera contar-te, Brasil, muitas coisas caladas.
carregadas por estes anos entre a pele e a alma,
sangue, dores, triunfos, o que devem se dizer
o poeta e o povo: fica para outra vez, um dia.

Peço hoje um grande silêncio de vulcões e rios.
Um grande silêncio peço de terras e varões.
Peço silêncio à América da neve ao pampa.
Silêncio: com a palavra o Capitão do Povo.
Silêncio: Que o Brasil falará por sua boca.