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José Varella: Recadinho dos povos das águas

Nas beiras do Fórum Social Mundial (FSM), pela primeira vez Belém do Pará reuniu os povos das águas amazônicas. Um encontro realizado entre os dias 27 e 31 de janeiro de 2009, para promover o conhecimento e reconhecimento da realidade socioambiental das c

Embora o evento do antigo convento dos Mercedários – lugar de memória da Cabanagem –  não tenha gozado dos holofotes da mídia; será talvez, dentre todos mais, o que dará os frutos mais consistentes a curto prazo, na perspectiva de que um outro mundo é possível, de fato.



O seminário “Cultura, Cidadania e Natureza” e o fórum “O Estado de Direito: Conhecimento e Reconhecimento dos Povos das Águas da Amazônia Paraense” relembraram a histórica exclusão dos povos ribeirinhos pela escravatura indígena e negro-africana da época colonial e do império, com a longa espera de liberdade e justiça desde a suposta anistia da Cabanagem (1840) até o martírio de Chico Mendes, no Acre. A virada para o estado democrático levou à Constituição do Estado do Pará, que completa 20 anos em 2009; cujo Art. 13, parágrado 2º; determina, de maneira emblemática, embora se refira especificamente a Marajó, atenção a todas comunidades tradicionais do estuário amazônico: “O Arquipélago do Marajó é considerado área de proteção ambiental, devendo o Estado levar em consideração a vocação econômica da região, ao tomar decisões com vistas ao seu desenvolvimento e melhoria das condições de vida da gente marajoara.”



Este dispositivo constitucional, jamais implementado, denuncia o despreparo das elites amazônicas e se estende a todas regiões amazônicas pesando sobre as oligarquias como a espada de Damocles. Está prenhe de simbolismo e suscita lideranças comunitárias em favor do desenvolvimento humano das populações ribeirinhas. Como prova, a demanda da “Associação dos Caranguejeiros de Soure (ACS)” para criação da primeira reserva extrativista marinha da Amazônia, a RESEX de Soure (“Maruanazes”). Cujo núcleo, por acaso, veio ser o sítio histórico de escravização de índios pescadores, o


Pesqueiro Real não longe da sede da reserva na comunidade de Cajuuana. Daí em diante, demandas populares semelhantes deram impulso ao vigoroso movimento socioambiental que o projeto “Nossa Várzea” de regularização fundiária encarna.



Apesar da enorme noite colonial, pouco a pouco, os povos das águas vão se tornando conscientes da ancestralidade da Cultura Marajoara – a primeira cultura complexa da Amazônia, de 1500 anos de idade (cf. http://www.marajoara.com ) – criada por povos originais pescadores do lago Arari. Onde, em 1972, na vila do Jenipapo, habitat de pescadores remanescentes dos antigos marajoaras; Giovanni Gallo inventou “O Nosso Museu do Marajó”, embrião do atual Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari – http://www.museudomarajo.com.br .



Por feliz coincidência, no mesmo ano de 1972 o “índio sutil” Dalcídio Jurandir teve reconhecimento nacional pelo conjunto de obras ao receber o Prêmio “Machado de Assis” da Academia Brasileira de Letras (ver http://www.dalcidiojurandir.com.br ). Desta maneira, populações tradicionias (“criaturada grande de Dalcídio”) são fator de integração regional por excelência, em conformidade com a ecologia humana dos povos das águas habitando em mais de mil “aldeias” ou comunidades locais, na Costa Paraense e estuário Pará-Amazonas. Aí, cada comunidade tem o potencial de uma aldeia do futuro: casando tradição e alta tecnologia.



Democracia participativa, autogestão, conservação da biodiversidade, diversidade cultural e o diálogo cooperativo entre comunidades são aspectos vitais da Amazônia Sustentável visando ao conhecimento e reconhecimento de direitos, e saberes tradicionais, notadamente através de inovação tecnológica respeitosa da tradicionalidade regional e a economia solidária como meio de geração de renda familiar buscando o crescimento do IDH conforme as Metas do Milênio (até 2015) e a Agenda 21, para superar todas formas de Pobreza, exclusão e violência.



Urge acelerar a regularização fundiária, com prioridade a unidades de conservação em parceria com comunidades tradicionais, notadamente reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável em terrenos de várzea, mangues e dunas do patrimônio da União. A autogestão de territórios tradicionais, mediante investimentos para produção sustentável em extrativismo e agricultura familiar sustentável é uma aspiração mediante estratégias de economia solidária e parcerias mistas públicas e privadas para o mercado.



Para assegurar continuidade ao processo de integração e organização social das comunidades parceiras do desenvolvimento sustentável Fórum dos Povos das Águas quer assumir caráter permanente usando sítio eletrônico, com sofware livre; e desenvolver sistema de apoio às comunidades tradicionais. Demandar apoio do programa multilateral MAB / Unesco para orientar processo de candidatura do Marajó à lista mundial de reservas da biosfera e do Salgado Paraense a ser declarado patrimônio natural da humanidade.



Esperam modelagem de uma escola da comunidade que se torne centro integrado local desde os primeiros anos de alfabetização e que tenha forte impacto na alfabetização de adultos. Ações de saúde, esporte, lazer, preparação para artes e ofícios ativas. Uma escola local, não necessariamente de prédio sofisticado; mas de maneira que cada residência da comunidade seja extensão da escola e vice-versa. Plataforma de promoção comercial de produtos  em economia solidária. Revitalização de seringais nativos a ser tentada buscando-se recursos compensatórios para preservação da floresta (créditos de sequestro de carbono e prevenção da Mudança Climática) a fim de produzir preservativos e material cirúrgico destinados a prevenção de doenças sexualmente transmitidas, inclusive em campanhas de saúde pública em terceiros países mediante cooperação Sul-Sul.



Utopia dos pobres do mundo, os povos das águas esperam constituição de fundo mundial compensatório em benefício de comunidades tradicionais usuárias de reservas extrativistas, no espírito do programa MAB / UNESCO; à exemplo do que foi o plano Marshall para a Europa; que leve por título “Plano Mandela” em homenagem ao líder sul-africano vencedor do regime racista do Apartheid, Nelson Mandela.