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Marajó (Amazônia) 2020

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A Amazônia Sustentável tem nas mil e tantas ilhas do arquipélago do Marajó – território do tamanho de Portugal, geralmente reduzido a uma “ilha” onde vive pobremente população ribeirinha equivalente a de um pais como o Suriname, por exemplo – na foz do maior rio do planeta; a sua mais dura e difícil prova vestibular. Este teste de resiliência marajoara, crucial para a soberania do Brasil na região do estuário amazônico face ao Mar Territorial e  plataforma continental do Atlântico equatorial, consiste em vencer a ditadura da água, descobrir a mais valia das florestas de maré e campos naturais para o homem que neles vive e a biosfera planetária; e implantar cidadania plena no antigo reino da cobra grande no fim da estória da Primeira Noite do Mundo. Sobretudo, recuperar para o patrimônio histórico e artístico nacional a Cultura Marajoara, a primeira cultura complexa da Amazônia, certidão de nascimento talvez do Povo Brasileiro autóctone, contando 1500 anos de idade. Um país que não sabe o que fazer com riqueza como está reprovado no exame de admissão ao primeiro time da liga das nações.


 


 


Há que se pactuar com a comunidade uma meta para o plano piloto do PAS no Arquipélago: digamos, colocar o sarrafo do salto em altura compatível ao IDH nacional de 0,80, em até uma década. Lembrando, ademais que o prazo para as metas do Milênio da ONU vence em 2015. Se a empresa orgulho do Brasil, a Petrobras, trabalha na perspectiva de 2020 com investimento de muitos bilhões de dólares para gerar energia; uma região emblemática tal como a de que estamos falando merece outro tanto, ainda mais que em termos financeiros a decisão de aplicar percentual do Fundo Amazônia em proveito das populações tradicionais, pelo menos, parece irrisória. Portanto, não  estamos falando de bilhões de dólares ou reais, mas sim de vontade politica e afinco metodológico e gerencial.


 


 


 


Uma vez vencida a “barreira do mar”, compreendida e integrada a complexidade marajoara, a República Federativa terá concluído mestrado e pós-doutorado em amazonologia e não apenas inventariado recursos naturais; será capaz de deslindar o nó górdio de qualquer outra região amazônica. Vale lembrar ainda que a “ilha” do Marajó (labirinto estuarino de 50 mil km² de superfície) excede em extensão aos Países-Baixos e que nestes últimos vivem 16 milhões de pessoas com alto padrão de vida; enquanto na Amazônia inteira seus 20 milhões de habitantes apresentam IDH miserável, salvo diminutas burguesias de Belém e Manaus. Donde Marajó se comporta com os piores índices: e a gente marajoara tem retrato falado e impressão digital no lugar de memória dito Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari, pronto para quem quiser ver e matar a amazônica charada.


 


 


 


É certo que a esperança venceu o medo. Mas, a esperança que não vê chegar o dia ambicionado também cansa e o medo de perder o tempo é o diabo de todos os planos de desenvolvimento da Amazônia, desde a navegação a vapor por Mauá e a assombração da internacionalização pelo Instituto da Hiléia, sem esquecer o fiasco da extinta SPVEA e as vacas que foram para o brejo nas famosas maracutaias da velha SUDAM. Ora, se SPVEA e SUDAM (agora o Fundo Amazônia) tivessem investido prioritariamente algo como 10% de seus recursos perdidos em favor de inovação tecnológica em cooperação com as populações tradicionais, a história amazônica seria outra… E ainda que os cabocos tivessem dado o cano, assim mesmo a grana teria ficado nos tristes municípios descendentes do antigo Diretório dos Índios e não ido embora mundo afora.


 


 


 


Aqui o caso incontornável da ilha-labirinto chamada do Marajó (“gente malvada”, porque resistiu à conquista do rio das “amazonas”). Em meio às ruinas dos sítios arqueológicos, por necessidade e acaso levantou-se o incrível museu do homem marajoara dito O Nosso Museu do Marajó inventado de “cacos de índio” e albergado na tapera do que era para ser a fábrica Oleica extrativista de óleo vegetal da massa falida da velha SUDAM. É uma obra revolucionária o nosso museu marajoara, revolucionária por que faz reviver o barro dos começos do mundo, porém desconhecida dos brasileiros e inacabada ainda…


 


 


 


Mas, já amparada a título precário pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), através de pronto-socorro do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) escapou do aborto. Embora lute ainda para fugir de costumeiras doenças infantis típicas das regiões amazônicas, para o que carece com urgência de vacinação pelo Ministério Público Federal, já que se trata de fiel depositário de bens da União, como é o caso de peças arqueológicas e da reserva técnica construída em parceria com a Petrobras.


 


 


 


O mapa do caminho do desenvolvimento sustentável, todavia se acha à disposição dos interessados em encontrar o máximo tesouro do Amazonas no acervo do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) e, através deste, o adotivo Museu do Marajó extensão comunitária natural. Claro, o INPA com o MPEG são as duas fontes nacionais donde mana o saber amazônico. Entretanto, a exemplo dos viajantes e naturalistas dos séculos precedentes os aplicadores contemporâneos da ciência e tecnologia amazônicas farão boa incursão se estiverem lembrados, pelo menos, da Viagem Philosophica (1783-1792), cujo primeiro passo foi a “Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó”, do sábio bahiano da Universidade de Coimbra.


 


 


 


Para que serve “perder” tempo, mas não perder a viagem? Para não repetir a mesma história que a pressa de ontem nos leva a cometer hoje devido a ignorância do passado. Será pedir demais às senhoras e senhores donos do poder a gentileza de se dar conta de que seriam necessários três ou quatro planetas Terra em quantidade de matéria-prima e trabalho vil para sustento do insustentável apetite e consumo de riquezas? Que a gloriosa civilização limitada a apenas um quinto dos habitantes da Terra causa miséria e pobreza aos quatro quintos restantes? Estamos cegos para o fato matemático de que nosso sistema chegou à fronteira do non sense? Não há ceia de Natal nem papai Noel para todos! E ainda queremos pagar aos fornecedores um dólar furado? Então, se na realidade econômica não há pão para todos, façam-nos favor os saudosos de Maria Antonieta de não falar em croissant para gente do povo: plantem os ricos o seu trigo e batam a massa de pão com as próprias mãos e aproveitem o sabor inigualável do trabalho artesanal. É isto que Marajó e outras periferias da periferia, felizmente, ainda tem.


 


 


 


Ora, por exemplo, um único perfume de charme esgota milhares de trabalhadores braçais de terceiro mundo na base extrativista e fabril dependente do consumo de primeiro mundo e extingue espécies de árvores das florestas tropicais, só para esconder maus odores aos nobres narizes. Esta e outras drogas do sertão custam devastação de florestas inteiras e trabalho escravo no outro lado da história da acumulação primitiva e da revolução industrial. E isto, segundo sagrados preceitos, é imoral e ilegal. Portanto, é também o mais que se faz em toda vastidão da Terra aonde chegam as leis e bons costumes civilizados. Seria simples salvar a natureza e nossas próprias vidas se a ciência e a política se voltassem a consumir somente o que se pode fabricar e consumir no próprio lugar em que se vive. Porém, já perdemos  savoir faire que os antepassados sabiamente haviam construído ao longo de muitas gerações. O resultado não é brilhante no fim da história…