O texto do humorista sobre o Pi era muito millôr, do ponto de vista literário, que a minha correção
Publicado 02/06/2025 20:51 | Editado 02/06/2025 21:13
Millôr Fernandes às vezes se metia em assuntos que não dominava. Lembro de um dos seus erros. No Daily Míllor número 23, de maio de 2005, ele publicou:
3,1416
Falei, de passagem, sobre nosso velho companheiro de banco escolar, o pi. Disse que era 3,1416. Na época se chamava dízima periódica, ou infinita, acho. Centenas de leitores (pra ser exato, seis, ou melhor, dois) me corrigiram. O pi não é mais 3,1416, cálculos mais atuais provam que é 3,141592653.
Está bem, está bem, eu sei que não é mais 3,1416. Ou quantos algarismos mais vocês quiserem acrescentar a essa dízima. Calculando melhor, pi é igual a 3,1415927 mais ou menos 0,000000005.
Mas ainda não é bem isso. Tem maluco pra tudo e a matemática é o ninho preferido. Acho até que sem loucura não há matemática. O teorema de Fermat, proposto há 300 anos, aparentemente sem solução, até hoje continua com maluquetes gastando a vida atrás dela, solução. Que é sempre genial, mesmo quando não definitiva.
Quanto ao pi, vou ao admirável livro de David Blatner, The Joy of Pi. O último cálculo, feito por Yoshiaki Tamura, do Latitude Observatory de Tóquio, e Yasumasa Kanada, da Universidade de Tóquio, usando o algoritmo de Salamin (?) e o supercomputador Hitac M-280H, registra 51 bilhões de dígitos.
Claro, quando você chega a essa conclusão, tem de contar tudo de novo para verificar se está certo.
Diante disso, tomei a liberdade de escrever para Millôr, em 20 de maio de 2005, mensagem com o título UUU Pi:
Genial filho do Méier
Muito aqui pra nós, considere isto: o Pi jamais pode ter sido “dízima periódica”. Dízimas são números cuja parte decimal vai ao infinito, mas (importante) nelas há um período, que também se repete ao infinito. Isto faz possível que se ache para elas uma Geratriz, ou seja, um número que lhe deu origem. Por exemplo, 0,333333… é uma dízima periódica, por causa do período 3333…., cuja geratriz é 3/9 ou 1/3.
Enquanto as dízimas periódicas fazem parte dos números racionais (aqueles que podem ser escritas em forma de fração), o Pi jamais poderá ser isto, porque até hoje ninguém lhe achou um período. Arquimedes, antes de Cristo, já demonstrou que esse período é impossível. O Pi faz parte dos Irracionais, ainda que não seja quadrúpede.
Claro, você tanto pode escrevê-lo como 3,14, quanto 3,1416, ou 3,141592, a depender da natureza do que você deseja calcular.
Por último, e enfim: a sua conclusão final justifica qualquer imprecisão.
Humorismo puro!
Abraço pernambucano
Ao que Millôr me respondeu em 25/05/2005 com natural humor e reacionarismo dos seus últimos tempos:
Poesia pura, pernambucano. Em busca da quadratura do círculo. Enquanto o Lula se movimenta no círculo da quadratura. Obrigado. Millôr.
Hoje, revendo a falha de Millôr e minha mensagem, noto que apesar do erro o texto do humorista sobre o Pi era muito millôr, do ponto de vista literário, que a minha correção. 3 x 14 melhor.