Quatro poemas de Jorge Amâncio

Poeta carioca radicado em Brasília, explora racismo, injustiça social e orixás em versos inventivos, mesclando haicai, oriki e poesia livre.

Jorge Amâncio | Foto: arquivo pessoal

Jorge Amâncio, poeta carioca radicado em Brasília, tem uma voz pessoal, de extrema originalidade. Sua poesia aborda temas como como a injustiça social, o racismo e os orixás da tradição afrobrasileira, com inventividade e força expressiva, adotando formas como o haicai japonês, o oriki africano e o poema em versos livres. Formado em Física pela Universidade Nacional de Brasília (UNB), publicou cinco livros de poesia: Negrojorgen, Batom D’amor e Morte, Nósoutrxs e Haikus em preto e branco e O leopardo que mata moscas inoportunas.

ENIGMAS FUTURISTAS

? qual o teor da efígie
(grafite escrito) 
na esfera de espuma?

fascínio nas crendices
aprendizes da mesmice
nas fábulas azeviches  

? qual o teor da efígie
(espectro invisível)
na esfera de espuma?

humanoides da guerra
emitem esguichos
tristes timbres tirânicos

? qual o teor da efígie
(enigma escritura) 
na esfera de espuma?

carrossel de vertigens
espelha o designer
da velhice prescrita

? qual o teor da efígie
(relíquia verídica)
na esfera de espuma?

erupção etérea 
espaço desértico
na esquina do êxtase

? qual o teor da efígie
na esfera de espuma?

***

AUTOPSIA

a memória adúltera
endereça notas
ao sujeito violeiro
, assobia
a agonia do pesadelo

o elixir da velhice
palpita na antiga
canção azeviche 
, mendiga
o limite da carícia

a dançarina da chacina
brilha felina
nas cantigas bélicas

a vinheta da proeza
etílica mímica
no cético superbeijo

***

ÚLTIMO SAMBA

o banjo
toca o último
arranjo
, prelúdio eurrítmico
dos uivos litúrgicos
, rimando
melindres
diálogos
carícias
, espetáculo ciclópico
da melodia.

o banjoísta
frágil de vinho
virtudes
vizinhos
vícios
, zanza zonzo
na contradança
tátil
das cordas
, vibrátil compasso
passo a passo
absorto
bêbado
cíclico
melódico
, no código torto
do banjo.

o último gole
no melancólico
cálice.
uísque de grife
da mesmice
, no baile
da velhice.

o banjoísta
não ouve
o último vibrar
das cordas.

no chão
o banjo-cálice
em vitrais
silencia.

***

TERAPIA

ventos da vida humana
extenso fio umbilical
vivida sacra profana
entre a vida e a morte 
contrato laico
arcaico sem consenso

a vida é um processo
nascida verso adverso
corrida lívida iludida

abstrato tátil abraço
berçário orfanato
último laço enfim
entre morrer e viver
pacto sacro apreço 
fato fim consumado

a morte é um processo
estrofe mote unificador
berço dúbio da criação

***

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