Quatro poemas de Márcia Frigg

Autora catarinense concilia a temática participante com um rigoroso e belo trabalho com a linguagem

Márcia Frigg, poeta, militante e professora residente em Indaial (SC), autora do livro de poesia Lâmina (Kotter Editor), é autora de poemas que fazem um retrato crítico da situação política e social do país, e em especial os embates vividos nos últimos 12 anos entre os defensores da democracia e os saudosos da ditadura militar, que ainda hoje tentam golpear as instituições do País. Seguindo a orientação de Maiakovski, a autora catarinense concilia a temática participante com um rigoroso e belo trabalho com a linguagem.

*

Teias

Negarei teu nome
e apelido, o apelo
da tua voz aos
meus ouvidos.

Negarei tuas mãos
e dedos, tuas digitais
nos meus segredos

Negarei teus passos
e abraços, tua brisa
em meus cabelos

Negarei a fome
do teu corpo
e meus saltos triplos
em teus abismos

Negarei ao meu
desejo, teu selo
e endereço

Negarei os búzios
as cartas, o zodíaco
e todos os oráculos.

Negarei as trapaças
do destino.

Negarei ao medo
o meu medo
de tropeçar
nas tuas teias

Eu só não negarei
nossas veias
    de infinito.

*

Decreto do medo

Destituiu-se a aurora
depôs-se as horas
mais claras do dia

O pôr do sol
será eterno no céu da
boca na boca do
estômago nas mãos
crispadas
de espanto

Não nascerão cores
neste chão calcinado
regado pelo sangue
de girassóis, onde
tombam lírios
e cerram os olhos
dos jasmins

– flores ceifadas pelo
 decreto da bala.

Foi interrompida
a primavera para
as mães
 – desérticas gardênias –
que seguem – ainda que não o

Saibam – a embalar no
colo
 o filho eterno e para
 sempre…
 morto

(Pelas crianças mortas por bala perdida. Brasil, primavera de 2019)

*

Oráculo

Na cordilheira
da tua omoplata
um triângulo de asas
     dorme
no estreito
a cintura do desejo
ergue-se em labareda
a aorta lateja dúvidas
teu corpo
   – catedral incandescente –
teu peito
   – oráculo esquivo –

entre cálices de cinza
e copos de sol
em carne viva

a vida escorre
entre medos!

*

Manto

Antes de sussurrar
meu nome
e navegar estas ilhas
– êxodo das minhas águas –
colhe da chuva
a delicadeza dos pingos
para que eu deseje
buscar afluentes
nos teus braços
desaguar-me como fonte
reconstruir minhas
águas íntimas
peço que me aceites
como manto
sobre o rio do teu sono
e recebas meu corpo
como concha do teu
Se nos estranharmos
à luz desses mistérios
sossega!
Ainda somos véspera!

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