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Renato Russo: Fábrica 

Qual é o impacto da produção industrial no dia a dia de uma cidade e de seus moradores, da fábrica e seus trabalhadores? Como os operários, com base no trabalho fabril, se dão conta das injustiças do sistema capitalista? Estas reflexões estão presentes na música Fábrica, composta por Renato Russo (1960-1996) e lançada no álbum Dois (1986), da Legião Urbana.

Por André Cintra

Fábrica

Da esperança na primeira estrofe (“Nosso dia vai chegar / Teremos nossa vez”), a canção transita para uma sensação de desalento (“Esse ar deixou minha vista cansada”). Em meio às reivindicações de um “trabalho honesto” – e de um lugar sem escravidão –, a letra parece denunciar a poluição e o desmatamento decorrentes do avanço desenfreado e impune da indústria: “O céu já foi azul, / Mas agora é cinza / O que era verde aqui / Já não existe mais”. Ou seriam metáforas em que o azul representa a utopia desconstruída e o verde simboliza a esperança perdida?

“Pelo visto, a Legião Urbana, não possuía uma visão otimista sobre o espaço acima representado”, registra o historiador Gustavo dos Santos Prado, em artigo sobre “a questão do trabalho juvenil na obra da Legião Urbana”. Segundo ele, “ao criticar a cobiça, a indiferença e a escravidão dentro da fábrica, a banda combate o modelo capitalista, que deteriora a relação do trabalho, a sociedade e sua condição de vida. Tal música é composta por vários elementos de ordem cultural, no qual há um alento – uma forma de resistência – para aqueles sujeitos que ouviam a banda e que passam por tal condição existencial”.

Fábrica ajudou o disco Dois a ser um dos grandes sucessos da Legião Urbana, com mais de 1 milhão de cópias vendidas no período entre 1986 e 1987. Por aqueles tempos, apesar da redemocratização do País, o movimento sindical – sobretudo o operário-metalúrgico – vias as conquistas minguarem diante da estagnação econômica e da inflação galopante. É, assim, o retrato de uma época – mas também uma sinédoque das relações capitalistas.

Confira abaixo a letra da música e uma versão ao vivo, que integra o álbum Música para Acampamentos (1992):

Fábrica
(Renato Russo)

Nosso dia vai chegar
Teremos nossa vez
Não é pedir demais:
Quero justiça

Quero trabalhar em paz
Não é muito o que lhe peço –
Eu quero um trabalho honesto
Em vez de escravidão.

Deve haver algum lugar
Onde o mais forte não
Consegue escravizar
Que não tem chance

De onde vem a indiferença
Temperada a ferro e fogo?
Quem guarda os portões
Da fábrica?

O céu já foi azul,
Mas agora é cinza
O que era verde aqui
Já não existe mais

Quem me dera acreditar
Que não acontece nada
De tanto brincar com fogo
Que venha o fogo então

Esse ar deixou minha vista cansada
Nada demais