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Uma pequena mostra do bom humor e do pensamento de Cascudo

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Camara Cascudo

O charuto é quase uma extensão do meu rosto. Este é um dos meus vícios, é vício confessável, exibido. Um bom charuto é um prazer cotidiano, mágica fumaça consoladora.

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Faço questão de ser tratado por esse vocábulo que tanto amei: professor. Os jornais, na melhor ou na pior das intenções, me chamam folclorista. Folclorista é a puta que os pariu. Eu sou um professor. Até hoje minha casa é cheia de rapazes me perguntando, me consultando.

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O vício da literatura grego-latina vacinou-me contra as ditaduras mentais contemporâneas.

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As mulheres de Maria Boa (famoso prostíbulo de Natal) têm uma predileção pelo grego, em detrimento do latim. Usam a palavra “gala”, e não esperma. Gala é leite em grego.

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O Brasil não tem problemas, só soluções adiadas.

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De 1920 a 1926, quantos tipos de rapazes e meninas ensinaram-me muito mais do que aprenderam comigo.

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Quando eu viajar, mais cedo ou mais tarde, a Universidade vai acabar comprando dos meus herdeiros a minha biblioteca. Ninguém é tão burro para dispensar livros tão incríveis.

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Eu chamo a minha biblioteca de A Babilônia.

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Amizade é amor sem sexo.

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Domingo, 21 de abril, 39o aniversário do meu casamento. Ao despertar, a noiva de 1929 desaparecera. Fora assistir à missa na capela do Hospital. De regresso, beijos, abraços, congratulações. Dália declara não estar arrependida e me confesso capaz de reincidência com a mesma vítima.

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Eu não conheço Carlos Drummond pessoalmente, mas somos amigos íntimos. Ele ainda estava em Minas Gerais e já se correspondia comigo. O que acho é que Drummond é superior ao prêmio Nobel. Você vai entender essa minha independência de julgar. Quem concede o prêmio Nobel? Ninguém sabe o que é a Academia de Ciências de Estocolmo. Você não sabe o valor dos homens que a compõem. Não conhece nenhum livro, nenhuma frase, nada deles. Eu faço muita questão de conhecer a idoneidade do juiz para julgar a sentença.

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     Eu o conheci em 1919, ele morreu em 21. Passando pela Faculdade de Medicina, ele foi nos visitar. Estava em campanha presidencial, competindo com Epitácio Pessoa. Alguém chegou esbaforido e avisou: “Rui Barbosa vem aí”. Não ficou um estudante na cadeira. Todo mundo arribou, inclusive os professores. A faculdade não existe mais, era na praia Vermelha, na Urca. De volta, tomamos a rua, de braços abertos, e ele teve que parar. Fez um pequeno discurso do automóvel, até hoje eu guardo um trecho na memória: “A política, senhores estudantes, é uma verminose brasileira. Inclina o carão severo e sinistro, aceita o falsete da voz insidiosa e burla as consciências, falando todos os idiomas da mentira”. Só Rui fazia isso. Efetivamente a mentira é poliglota. Só Rui dizia isso.

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 É o cinema em casa, o mundo em casa. É o tapete mágico de Aladim, em que você viaja sem sair do lugar. Tem função deturpadora, e não orientadora ou elevadora. Mas para os velhos surdos, meio cegos e jumentos como eu, aos 83 anos, é a vida. Para quem não chega à janela, não lê jornais como eu, a televisão é minha vida, a minha viagem.

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Não me interessei por nada no mundo. Daí a minha fidelidade mental ao meu trabalho. Sou um brasileiro feliz, diz Diógenes. Vivia minha vida e não a vida indicada pelos outros. Não fui o que quiseram, fui o que senti, a volição de ser. Hoje, sou um resto de idade, estou fora do ar, tenho dias eufóricos, compreendeu? O trabalho para mim não era maldição. Era como o trabalho gostoso de fazer um filho. Prazer.

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Se eu pedisse, o meu pai compraria pra mim a Ursa Maior.

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Exame oral. O estudante é Sylvio Piza Pedroza, que depois seria governador do Rio Grande do Norte. 
     Cascudo pergunta: – Como o rei de Portugal teve notícias do descobrimento da Ilha de Vera Cruz?
     – Pedro Álvares Cabral passou um telegrama.
     O aluno foi aprovado.

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De 1920 a 1932 fui devorador de livros e Henrique Castriciano seguia o ritmo delirante porque não era capaz de disciplinar-me quem nunca tivera disciplina.

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Fecha esta máquina fotográfica, meliante. Há 70 anos que sou perseguido por tua espécie. Agora, repórter eu já fui. Lembro-me que, quando íamos entrevistar, nossa liberdade era grande. Se o homem não dizia nada, a gente inventava. Em 1915, meu pai possuía um jornal. Nele comecei como repórter.

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Temo as reportagens completas, as confissões pormenorizadas, obtidas pelos jornalistas.

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Não se assombre, em Natal eu sou o único pecador profissional. Os outros são amadores.

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 Meu pai dizia que a rede fazia parte da família. A rede colabora no movimento dos sonhos.

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A recompensa do trabalho é a alegria de realizá-lo. Quando termino um trabalho, estou pago.

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Sou um homem que não desanimou de viver e acho a vida cheia de encantos.

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Eu sou apenas uma célula, uma pequenina célula que procura ser útil na fidelidade da função.

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Sou um homem mais de fé do que de culto. Posso recusar a extrema-unção, vou me entender pessoalmente com Deus.

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Termino com saudades meu trabalho, libertador das erosões destínicas e demais cortesãos da velhice.

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Um jornalista de Luanda entrevista o futuro autor de A História da alimentação no Brasil e Made in Africa.
     -Qual o motivo de sua presença na África?
     -Vim ver o sol se pondo no mar.

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Foi apresentado a um figurão da diplomacia, no Itamaraty. 
    

 -Luís da Câmara Cascudo, Câmara Cascudo… parece que já ouvi falar no seu nome.
     

-O senhor é muito mais feliz do que eu. Estou absolutamente certo de que nunca ouvi falar no seu.