Vítima da Samarco relata descasos que quase a levaram ao suicídio

Às voltas com a realização de audiências públicas com moradores das cidades mineiras de Mariana e Ouro Preto para decidir sobre a volta de suas atividades, a mineradora Samarco ainda está longe de acertar suas contas com as vítimas do rompimento de uma de suas barragens, em 5 de novembro de 2015.

Capa e contracapa: Relato da história de uma fazenda destruída pretende dar voz à luta de outras vítimas da lama da mineradora - Reprodução

"Vivem espalhando na mídia que a empresa está pagando as indenizações, mas não está. Muita gente ainda não recebeu absolutamente nada. A empresa até que dava atenção, enquanto o caso tinha destaque nos noticiários. Agora, nem nos atendem. É só golpe", afirma a advogada Normalina Yacy Viana, 68 anos, de Belo Horizonte.

No início de novembro, ela lançou o livro A tragédia da Barragem da Samarco – O que a mídia não contou (Editora O Lutador). Escrito e publicado de maneira independente, pago com dinheiro obtido por meio de empréstimos, o livro é um relato de prejuízos e do descaso da empresa e de autoridades. Ao mesmo tempo, a motivação encontrada pela autora para seguir vivendo e lutando. "Entrei em estado de loucura. Cheguei a pensar em suicídio", conta.

Ela é proprietária de uma fazenda localizada a cinco quilômetros de Bento Rodrigues, avaliada em R$ 4,5 milhões, que transformou em pousada. A propriedade foi atingida pela lama e depois por saqueadores. Um prejuízo incalculável, que inclui a devolução do dinheiro pago por hóspedes que fizeram reservas para o fim de ano e férias. "Pensei em me matar. Depois de muita oração, recuperei forças e decidi escrever o livro para contar o que os noticiários esconderam."

Ela questiona o número oficial de mortos – 19. "Dentro da fazenda havia três carros, que foram arrastados pela lama de Bento Rodrigues para lá. Foram vistos urubus sobrevoando os carros. No outro dia, os carros haviam sumido. Além disso, havia muita gente de fora em Mariana, pessoas que não foram reclamadas por moradores da cidade".

Os percalços em busca de reparação são muitos. Ela conta que procurou o Ministério Público de Mariana, do qual não obteve resposta. Recorreu então ao MP em Belo Horizonte. "Quando mostrei as mais de mil fotos, me recomendaram procurar a Justiça. Depois do livro lançado, o MP disse que eu peguei pesado, e ficou de me mandar, por e-mail, as providências que haviam sido tomadas. Até agora, nada."

Foi então orientada a procurar a empresa em Belo Horizonte, que solicitou um relatório das perdas e lhe deu um cartão com o qual poderia sacar R$ 1.300 para o pagamento de aluguel de um apartamento. "Perco tudo e recebo R$ 1.300?", questiona.

Embora o livro relate apenas sua história de prejuízos financeiros e emocionais em meio ao descaso de autoridades, ela acredita que sua voz possa ecoar a de outros moradores, vítimas como ela, porém, sem forças. Ou mesmo calada mediante acordos tácitos com a mineradora.

"Será que a Samarco vai continuar a se esconder, se fechar no seu conforto, enquanto pais e mães de família estão à mercê de migalhas de salário mínimo e cesta básica para sobreviver, enquanto o seu patrimônio, muitos deles construídos há séculos, décadas, é colocado na lama?", questiona.

Normalina, que pretende lançar o livro em outros estados, começando pela Bahia, e até na Austrália, onde opera a BHP Billiton, parceira da Vale nas operações da Samarco, já tem dez exemplares encomendados, mas faltam os R$ 300 referentes aos custos de envio pelo correio. Outra dificuldade é para a divulgação. "Fui em busca de um espaço para um banner no aeroporto na Pampulha. Me disseram ser impossível porque a Vale é responsável por 80% do movimento no aeroporto. Em bancas de jornal também não tenho conseguido espaço", lamenta.