Direita polonesa aprova pacote de leis que politizam a justiça 

O conservadorismo avassalador continua tomando frente na Polônia. Na sexta-feira (8), houve uma troca de primeiros-ministros e a câmara baixa do parlamento aprovou uma proposta de reforma no sistema judiciário, que culminaria no  aumento do controle político sobre juízes e tribunais

Por Alessandra Monterastelli * 

protesto contra reforma do judiciário na Polônia - Reuters

Para um país com taxas de desemprego historicamente baixas e uma econômia que cresce mais de 4% ao ano, a Polônia passou nas últimas semanas por um período político muito agitado. Após meses de lutas partidárias internas, o líder do Lei e Justiça, Jaroslaw Kaczynski (antigo primeiro-ministro e por muitos considerado o líder de fato da Polônia), decidiu que a primeira-ministra, Beata Szydlo, deveria ser substituída porque estaria perdendo o controle em relação ao resto do governo.

Para ocupar o seu lugar, Kaczynski escolheu Mateusz Morawiecki, que era vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças e do Desenvolvimento – foi com ele que a Polônia assistiu a um forte crescimento econômico nos últimos dois anos. Adotando o discurso de defensor do crescimento da ecônomia e do respeito "a família", o ex-banqueiro nomeado manifestou seu apoio a energia nuclear, ressaltando, segundo informações da EFE, que a Polônia manterá o carvão como sua principal fonte de energia, ignorando as exigências da UE para que aumente o peso da fontes de energia limpa em seu sistema elétrico.

Contudo, a esperança (em vão) de troca de ministros teria sido de que o novo premiê tomasse atitudes mais moderadas. "Ele [Mateusz Morawiecki] é um dos políticos relativamente moderados do Lei e Justiça, e essa foi a aposta de Kaczynski. Ter algum espaço para respirar nas relações com a União Europeia, com o mundo dos negócios e com os eleitores moderados. Todos eles vão ter de dar o benefício da dúvida a Morawiecki", disse ao Financial Times Wawrzyniec Smoczynski, diretor do think tank Polityka Insight.

Em seu primeiro discurso no parlamento como novo primeiro-ministro na terça-feira (12), Morawiecki assegurou que continuará com as políticas de sua antecessora, confirmando a posição conservadora e nacionalista do governo, apesar deste ser alvo de duras críticas internacionais.

Segundo o jornal português Publico, analistas críticos do Lei e Justiça sugerem que a decisão de Jaroslaw Kaczynski está intimamente ligada à discussão sobre a reforma judicial na Polônia, que tem sido um grande obstáculo na relação com Bruxelas. Apesar disso, Morawiecki expressou sua rejeição a uma União Europeia (UE) com "duas velocidades" e reiterou a recusa do Executivo em aceitar o mecanismo de realocação de refugiados proposto por Bruxelas, "uma fórmula que não funcionou" e que "deve ser renegociada".

Apesar das últimas atitudes invasivas de Trump (como o veto migratório a países muçulmanos ou o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel), duramente criticadas pela comunidade internacional, o premiê adiantou, ainda, que os Estados Unidos seguirão sendo um aliado próximo para a Polônia e que a OTAN se mantém como um elemento-chave em sua política de segurança.


Mateusz Morawiecki, primeiro ministro polonês

No campo econômico, Morawiecki adota discursos típicos defendidos pela extrema-direita. Segundo ele, o nacionalismo e a tradição devem ser vistos como "ativo e não empecilho" do processo de modernização e anunciou, segundo a EFE, a intenção de seu governo de recuperar o controle de setores econômicos estratégicos no futuro. 

Polônia x União Europeia 

O Publico conta que a relação entre o governo polonês e a maioria dos países da União Europeia sofreu um abalo no último verão, quando Jaroslaw Kaczynski e Beata Szydlo foram em frente com a proposta de alterar o processo de nomeação dos juízes – uma proposta que os críticos, na Polônia e na União Europeia, dizem ser uma tentativa de tirar a independência do sistema judicial, subordinando-o ao poder político.

Essas propostas passaram nas duas câmaras do parlamento polonês, onde o Lei e Justiça está em maioria, mas acabaram por ser vetadas pelo Presidente Andrzej Duda, eleito pelo mesmo partido. Só que esse veto veio com uma proposta de reformulação, apresentada pelo próprio presidente – na sexta-feira (8), a câmara baixa do parlamento aprovou um novo pacote de reforma da justiça, à prova de veto presidencial mas que não afasta os receios europeus.

Ainda segundo o jornal português, a nomeação de juízes para o Supremo Tribunal de Justiça – segundo a proposta que o Presidente polonês vetou no verão, os 86 juízes do Supremo deveriam pôr os lugares à disposição para que depois o Ministro da Justiça decidisse quem ficava e quem saía; a nomeação dos juízes do Tribunal Judiciário Nacional, que escolhe os juízes para o Supremo, seria feita pelo Parlamento; e o ministro da Justiça teria poderes para escolher e afastar juízes dos tribunais inferiores.

A nova versão da proposta aprovada não difere muito da que foi vetada no verão, considera Marcin Matczak, professor de direito na Universidade de Varsóvia: "a reforma é exatamente aquilo que Kaczynski queria. Ele e o seu partido vão ter total controle sobre o Tribunal Judiciário Nacional, e portanto um controle efetivo sobre a nomeação dos juízes", disse o especialista ao Guardian.

A reforma, que o aoverno diz ser necessária para que os tribunais comecem a trabalhar de forma mais rápida e eficaz, é vista pelos opositores como uma governamentalização da justiça- o Lawfare, que vem se impondo sobre os países com o aumento do conservadorismo, e que consiste na utilização do aparelho judicial para o emprego de manobras jurídico-legais como substituto de força armada, visando alcançar determinados objetivos de política externa ou de segurança nacional, muitas vezes usada para destruir a oposição na política. A reforma aprovada, portanto, aumenta o controle político sobre juízes e tribunais.


Manifestantes protestam contra a reforma do judiciário em frente ao parlamento, em Varsóvia 

Como resposta, Bruxelas ameaçou tirar da Polônia o direito de voto na União Europeia, uma ameaça de difícil concretização, já que a Hungria de Viktor Órban garante que não aceitará qualquer sanção contra a Polônia.

O respeito à Constituição 

Em novembro houve uma manifestação utlra-conservadora e nacionalista na Polônia, com a participação de 60mil pessoas; a marcha atraiu diferentes figuras da extrema-direita. Ouviram-se apelos por uma Polônia “pura”, a uma Europa “que será branca, ou então desabitada”, e, segundo o jornal Politico, palavras de ordem contra refugiados, muçulmanos, judeus, e homossexuais; mulheres que gritavam palavras de ordem anti-fescistas foram agredidas, segundo o Publico. Na época, o ministro Mariusz Blaszczak, do Partido Lei e Justiça, disse que estava “orgulhoso” de ver a participação de tantos poloneses na celebração do dia da Independência.

Apesar do crescimento constante do conservadorismo na Europa e no mundo, cidadãos poloneses se manifestaram em frente ao parlamento durante o discurso de Morawiecki, em protesto contra as políticas do Lei e Justiça e exigindo que o poder Executivo respeite a Constituição da Polônia, o que significa a anulação da reforma do sistema judiciário.