Alckmin e o desmonte da TV Cultura

A gestão tucana no estado de São Paulo promoveu um profundo desmonte dos serviços públicos em todas as áreas, inclusive na Comunicação e na Cultura. A Fundação Padre Anchieta, mantenedora das emissoras da TV e das rádios Cultura no estado, foi um dos alvos da precarização e terceirização que marcaram os anos de governos do PSDB.

Por Renata Mielli*

TV Cultura Arquivo Google

Essas emissoras se consolidaram historicamente como uma alternativa aos meios de comunicação privados. Se constituíram como espaços de difusão da cultura regional e nacional, tornando-se referência para todo o país de um projeto de comunicação pública, com produção de conteúdos de alta qualidade, reconhecidos e premiados internacionalmente. A TV Cultura, em especial, marcou época com atrações infantis, jornalísticas e culturais como o "Castelo Rá-Tim-Bum", "Confissões de Adolescente", "Roda Viva", "Ensaio", "Vitrine" e tantos outros. 

Mas a criatividade e a produção de conteúdo – marcas fundamentais dos 46 anos de história da Fundação Padre Anchieta – estão ameaçadas pela transformação do canal de TV em um mero exibidor de material comprado de terceiros e produtos estrangeiros licenciados. Vários programas de referência foram extintos, como "Zoom", "Grandes Momentos do Esporte", "Vitrine", "Cocoricó", "Bem Brasil", "Viola Minha Viola" e "Provocações". Outros, como o infantil "Quintal da Cultura", podem virar mera plataforma para a exibição de desenhos animados terceirizados.

O processo de desmonte e privatização da TV e das rádios Cultura remonta ao início dos anos 2000. A gestão da FPA – comandada pelo governo do Estado, com um conselho curador totalmente capturado, sem transparência e participação social – comprometeu o caráter público da Cultura e promoveu um severo ataque à sua capacidade de produção, reduzindo a diversidade da programação e a qualidade de seus conteúdos. A cada ano que passa, a participação das verbas públicas no orçamento da FPA tem sido diminuída.

Esse processo vem acompanhado de demissões em massa e de precarização das relações de trabalho, tanto na TV quanto nas rádios, com estrangulamento da equipe de jornalismo e radialismo; enfraquecimento da produção própria de conteúdo, inclusive dos infantis; entrega, sem critérios públicos, de horários na programação para meios de comunicação privados, como a "Folha de S. Paulo"; sucateamento da cenografia, da marcenaria, de maquinaria e efeitos, além do setor de transportes.

Acompanha esse quadro uma política de demissão em massa, que já tirou do quadro de funcionários da emissora mais do que 2.500 trabalhadores. As rádios e TV Cultura formaram no seu interior profissionais, nas mais variadas áreas de atuação, que desenvolveram um conhecimento e uma expertise sem paralelo no Brasil de como fazer uma comunicação pública. Ocorre, também, um processo de terceirização e de precarização das relações de trabalho, além do achatamento salarial.

A fragilidade do jornalismo da TV é evidente diante da agenda política do PSDB. Não há crítica, não há profundidade, não há debates importantes no cotidiano. O acordo para a exibição de um programa da TV Folha, assinado na gestão de João Sayad, foi um exemplo do descaso com o papel do jornalismo e, pior, a submissão e falta de independência editorial de uma TV Pública. Esse acordo torna explícita a “privatização” da TV.

Conselho Curador sem presença da sociedade

Um dos instrumentos para garantir o caráter público de uma emissora de rádio e TV é a existência de um Conselho Curador que funcione com base na transparência, com ampla participação social – não apenas na sua composição formal, mas a partir de instrumentos de diálogo com a sociedade. As emissoras públicas precisam estabelecer fortes vínculos com a sociedade na qual estão inseridas, para promover uma programação de caráter cultural, informativo e educativo de qualidade, com o objetivo de promover mais pluralidade e diversidade nos meios de comunicação.

O instrumento que permite a efetivação deste diálogo é o Conselho Curador. No caso da FPA, o Conselho Curador foi criado para ser o espaço de debate dos temas relativos ao projeto das emissoras, formado por representantes da sociedade paulista e do governo. No entanto, o governo do estado e a direção da Fundação Padre Anchieta esvaziaram o papel do Conselho Curador e o transformaram num mero espaço técnico para chancelar as políticas do governo.

Com isso, não há mais espaços institucionais para ouvir a opinião e a demanda da sociedade sobre as emissoras geridas pela FPA. Instrumentos importantes como audiências públicas, consultas públicas e reuniões setoriais nunca foram utilizadas pelo Conselho como mecanismos de ampliar a participação da sociedade nas discussões sobre a RTV Cultura.

A estrutura do Conselho tampouco é permeável a novas participações. Ele é composto por três membros vitalícios, 20 membros natos (ou seja, determinados pelo ato de criação da FPA) e 23 membros eletivos.

Para agravar esse quadro, o processo de renovação do Conselho Curador é autocentrado. O Conselho hoje se autonomeia e renova, sem critérios republicanos de participação e transparência. O processo de renovação sequer é tornado público através dos instrumentos de comunicação da Fundação.

Para participar do processo de eleição, é preciso que oito conselheiros subscrevam uma candidatura. Assim, só personalidades consagradas ou pessoas do círculo de relação dos atuais conselheiros têm a oportunidade de tentar uma representação. Ou seja, mais do que uma escolha política, o que pauta a renovação do Conselho Curador são as relações pessoais. O Conselho Curador se afasta da realidade do povo paulista e perde o poder de auscultar as críticas e contribuições da sociedade para o projeto fundamental e necessário de um instrumento público de comunicação para São Paulo.

A defesa do caráter público das rádios e TV Cultura passa, necessariamente, pela abertura de um amplo debate público com a sociedade para se discutir um projeto estratégico de recuperação das emissoras públicas paulistas, como espaços de difusão da cultura local, ambiente de promoção da diversidade e pluralidade hoje ausentes dos meios de comunicação comerciais.

Enfrentar o quadro de desmonte e afastamento do papel social da Cultura num contexto de luta para que a sociedade brasileira – e paulista – demanda mais pluralidade e diversidade nos meios de comunicação para enfrentar a grave crise política, institucional do país, deve ser uma das agendas prioritárias do movimento social e compromisso de candidatos à Assembleia Legislativa e ao Palácio dos Bandeirantes. É preciso defender a RTV Cultura.