Fórum de Davos, agora em SP, debateu “incerteza política”

Por Bernardo Joffily

O Fórum Econômico Mundial (FEM), mais conhecido como Fórum de Davos, ou ainda Fórum dos Ricos, encerrou hoje o seu primeiro evento fora do Primeiro Mundo, em meio século de exist

A audiência não foi portanto tão numerosa nem tão glamourosa como costuma ser na estância turística de inverno de Davos, na Suíça. Ali, a cada janeiro costumam circular as grandes figuras do big business, das classes dominantes e governantes. Em compensação, não ocorreram os concorridos protestos antineoliberais que se sucedem todo ano em Davos: os movimentos sociais brasileiros e paulistas, por algum motivo, não incluiram
O único chefe de Estado foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que discursou no encerramento da Rodada, polemizando sobre o “medo da China”  e o protecionismo internacional dos países ricos, “tão perverso quanto os desequilíbrios comerciais vigentes na ordem colonial”. Também das autoridades governamentais em nível de ministro, mais da metade era prata da casa. De fora do continente, veio Mandisi Mpahlwa, ministro da Indústria e Comércio da África do Sul.
Por que a América Latina
Porém o Fórum de Davos em São Paulo merece exame. Se não foi um sucesso de público, nem de mídia, representou muito por ser uma completa novidade nos planos da fundação que administra o FEM.
Basta dizer que este nunca organizou um evento deste porte num país do Terceiro Mundo. As edições anuais do Fórum se repetem religiosamente em Davos, Suíça, todo mês de Janeiro. A única exceção foi em 2002, quando o evento se transferiu para Nova York, em repúdio aos atentados do 11 de Setembro. Por que então São Paulo? Por que a América Latina? Será que o Fórum dos Ricos está mudando?
A resposta pode estar na célebre frase de um personagem do romance “Il Gatopardo”, do italiano Giuseppe Tomasi Di Lampedusa. Este, um representante da aristocracia siciliana, diante do exército de “camisas vermelhas” de Giuseppe Garibaldi, conclui que “algo precisa mudar para que tudo continue como está”.
“Algo precisa mudar…”
Há sinais de que também a fundação que gerencia o FEM também ouviu, à sua maneira, os clamores dos manifestantes que todos os anos protestam em Davos. Também se preocupa, nos seus termos, com o sucesso crescente do Fórum Social Mundial, criado há seis anos justamente para se contrapor ao pensamento único reinante em Davos. Também concluiu que “algo precisa mudar…” O resultado foi a Rodada latino-americana.
Davos, porém, é como a raposa do provérbio, que muda de pele mas não muda de manha. Na tropical São Paulo, num continente em plena ebulição, manteve, com alterações de estilo e algumas concessões na lista de palestrantes (como o ministro Luiz Fernando Furlan), o mesmo discurso que repete há meio século.
O chileno José Miguel Insulza, secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), disse que "treze eleições presidenciais em um ano naturalmente poderiam criar um certo clima de incerteza política". E declarou-se “surpreso pelo que eu poderia chamar de ´venezuelização´ da discussão sobre como a política se conduz na América Latina”. Os povos e os eleitores latino-americanos se inclinam à esquerda? Davos responde com “incerteza” e “surpesa”.
Outros foram mais longe que o cauteloso diplomata chileno. Eric Farnsworth, vice-presidente do Council of the Americas, dos Estados Unidos, queixou-se de que “o continente está cindido entre países que querem uma maior participação na economia global (…) e aqueles que rejeitam o ambiente global”.
“O mais sensível: cultura de classe”
Moisés Naím, editor-chefe da revista americana Foreign Policy, fez ainda menos rodeios. Alertou que a desigualdade econômica e social “não tem nada de novo”, mas “agora tem maior potencial político e efeitos econômicos acrescidos”. Suas consequências, agregou, podem levar a “privação de direitos, polarização política e, talvez o mais sensível, uma cultura de classe”.
Outro risco muito citado na Rodada do FEM foi o perigo chinês. Este é agitado com base na preformance do gigante asiático – expectativa de cresimento de 8,2% no PIB em 2006, e taxas de aumento da produtividade de 8% a 10% ao ano. Enquanto ficou na penumbra o fato de que o saldo das relações comerciais com a China é favorável à América Latina.
Assim, o acompanhamento do Fórum dos Ricos termina ensinando também aos brasileiros e latino-americanos do andar de baixo. O Fórum Social Brasileiro reúne-se a partir do próximo dia 21, no Recife. Um ponto de referência interessante para alavancar os debates será levar em conta o que se disse na Rodada latino-americana do seu antípoda.