Quem pagou Francenildo?

Matéria de capa da edição desta semana da revista Carta Capital, nº 390, traz novas informações sobre o depósito que foi feito na sua conta bancária aparentemente por seu pai biológico. Há ainda uma parte desco

Aos 24 anos, Francenildo Santos Costa tornou-se, graças a uma ação criminosa de agentes do Estado, uma celebridade nacional. Em pouco mais de um mês, foi responsável pela queda do ministro da Fazenda e do presidente da Caixa Econômica Federal, além de ter criado sérios constrangimentos para o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, novo alvo preferencial da oposição. O caseiro Nildo, como ficou mais conhecido, também se tornou figura pública no Piauí, seu estado natal, onde até se cogitou uma candidatura dele à prefeitura de Nazária, onde nasceu e ainda vive a mãe, Benta Costa. Nas palavras de uma autoridade policial brasileira, Francenildo virou, por obra da condenável quebra de sigilo, um intocável “namoradinho do Brasil”. Por isso, pouca gente se arrisca a investigá-lo.

Nazária é um ex-distrito recém-emancipado, de aspecto miserável, localizado a 30 quilômetros da capital Teresina, onde Francenildo foi descansar durante a Semana Santa. Cercado de alguns parentes e, agora, com dois advogados atuando gratuitamente para ele, ficou irritado com a presença da imprensa. “Queria descansar de vocês”, respondeu aos repórteres postados além da cerca da casa da mãe.

Aproveitou o tempo para, contra os advogados, ir na casa do suposto pai biológico, o empresário Eurípedes Soares, pressioná-lo por conta de um litígio de paternidade – origem de uma polêmica que mexeu com a República. Mas ainda há uma parte desconhecida dessa história. A Polícia Federal não se mexeu adequadamente para resolvê-la. Diz respeito aos depósitos de 25 mil reais ou 38 mil reais, a depender da desconfiança de quem faz a conta, encontrados nos extratos bancários do caseiro e revelados, após quebra ilegal de sigilo, pela revista Época.

É uma história realmente esquisita. Quase tão esquisita quanto o principal personagem dela, que a despeito das aparências, não é nem o caseiro Nildo, nem o empresário Eurípedes Soares, dono de uma frota de 22 ônibus em Teresina. O nome da figura é Antônio Alves Filho, 45 anos, microempresário informal de Timon, uma cidade-dormitório do Maranhão situada à margem esquerda do rio Parnaíba, separada de Teresina apenas por uma ponte. Arredio, às vezes agressivo, Alves apareceu nessa novela porque, apesar de morador de uma casa pobre da zona rural de Timon, teria emprestado os primeiros 10 mil reais que foram depositados, a título de antídoto para uma chantagem, na conta de Francenildo.

Antônio Alves é uma figura miúda, sertaneja, impaciente com a presença do repórter e do flash da máquina fotográfica que ficou uns minutos espocando luz nele e nas sucatas do terreno de lama negra ao lado da casa onde mora. Casado, tem dois filhos e poucos amigos. Aliás, ele garante que, amigo mesmo, só o “seu” Soares, o Eurípedes, dono da Viação Soares, a quem Nildo quer o reconhecimento paterno. Em uma entrevista dada ao Estado de S. Paulo, o empresário revelou que, para pagar a primeira das três parcelas de dinheiro prometidas ao caseiro, recorreu a um “Antônio” para honrar o compromisso. Era Alves. E mais: o amigo do lado maranhense teria recorrido a outra pessoa para conseguir o dinheiro.

Pergunta difícil de responder é como Antônio Alves, levando a vida que leva, morando onde mora, teve condições de sacar 10 mil reais, assim, de uma hora para outra. Ao contrário de Soares, Alves trabalha com dois ônibus velhos. Um, com quase 40 anos de uso. O outro, mais novo, ano 1972, está parado por conta de problemas mecânicos. Usa os veículos para fazer o que, na região de Timon, é chamado de “linha carroçal”, expediente de levar e trazer trabalhadores rurais para a roça ou para o centro da cidade, dentro de ônibus clandestinos. Além disso, alega fazer uns bicos como mecânico de automóveis e retífica de peças. Quando viu o gravador na mão do repórter, ficou zangado. “O que é? Vai dizendo o que você quer”.

Antônio Alves Filho alega ter emprestado o dinheiro para Eurípedes porque o empresário, além de amigo, “é um cidadão”. Segundo ele, foi para “salvar a vida” de Soares, por causa da situação em que se meteu por conta das denúncias de Francenildo Costa. “Vi a agonia do homem, tinha o dinheiro em casa, emprestei mesmo”, conta. Mas não foram 10 mil reais, diz, mas somente 7 mil. “Os outros 3 mil você tem que perguntar a ele onde arranjou.” O empréstimo foi feito em espécie, e é coisa dele mesmo, não houve, segundo ele, uma terceira pessoa. Um bocado de dinheiro, portanto, guardado em casa, um imóvel alugado, sem acabamento e de poucos cômodos, cercado de barro e lama. Na porta lateral da casa, Alves inquieta-se com as perguntas, fica ainda mais irritado, baixa os olhos e bate, insistentemente, o pé na terra batida enquanto fala.

O terreno ao lado, onde guarda os ônibus e desova peças velhas para futura retífica, não é dele. Usa de favor, na condição de não deixar o mato crescer e manter afastados eventuais invasores. Alves gagueja para explicar que os 7 mil reais dizem respeito à venda de uma casa em Teresina. Estavam dentro de casa, à espera sabe-se lá de que destino. Soares até hoje não pagou a dívida. Além disso, ele não revela o endereço do imóvel, nem por onde anda o contrato de compra e venda. “Para você eu não mostro, se precisar, mostro para a polícia”. Talvez, precise.