Tribunal dos Povos condena Bush no 2º Fórum Social Brasileiro

Se depender da vontade popular, o presidente norte-americano George W. Bush deve ser punido por crimes contra a humanidade. Foi o que deliberou o Tribunal dos Povos, em julgamento simbólico realizado nesta sexta-feira (21/04), em Recife (PE), durant

Liderado pelo Cebrapraz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz), o encontro simulou um tribunal com todos seus rituais, incluindo promotor, advogado de defesa, testemunhas e júri popular. O juiz foi o sacerdote e sociólogo belga François Houtart, presidente do Fórum Mundial das Alternativas. Os Estados Unidos foram a julgamento em virtude de seus crimes de guerra, sobretudo após o retorno à presidência americana, em 2000, do Partido Republicano — a agremiação política mais conservadora e imperialista do mundo. No ano seguinte, usando como pretexto os atentados de 11 de setembro às torres gêmeas do World Trade Center, Bush engatou a falaciosa “política guerra preventiva”, iniciando uma escalada de terror contra povos não-alinhados ao país.

A invasão americana no Afeganistão (2001) e a desastrada ocupação do Iraque (2003) foram mal-sucedidas demonstrações de força, que acenderam a ira dos povos contra a arrogância dos Estados Unidos. Mesmo assim, os imperialistas mantêm mais de 800 bases militares pelo mundo e insere no “Eixo do Mal” todos os países que resistem a se submeter aos ditames paranóicos de Bush. Igualmente avesso a essa investida americana, o Tribunal dos Povos é “produto da consciência, do trabalho e da determinação”, ressaltou a deputada federal Socorro Gomes, presidente do Cebrapraz. “E julgamos o maior terrorista que a humanidade jamais conheceu justo hoje, no Dia de Tiradentes, data heróica do mártir de nossa independência.”

Denúncias e protestos –
Segundo François Houtart, o Tribunal dos Povos não tem poder jurídico ou punitivo, mas tem “poder moral”. “Não é um ato político de solidariedade, nem uma festa popular. Trata-se de realizar a síntese analítica de informações e estabelecer conclusão ética, sincera e popular”, declarou o juiz do evento. Com o início dos depoimentos, não faltaram denúncias de abusos praticados no governo Bush. “Para detonar os palestinos, os Estados Unidos doam a Israel US$ 5 bilhões por ano. É a maior ajuda de país a outro no mundo atual”, destacou Fawzi El-Mashni, representante da resistência palestina. “Bush e seu governo fascista querem acabar com a autodeterminação dos povos e criar a ingovernabilidade”, reforçou o tenente-coronel venezuelano Héctor Herrera Jiménez, da Frente Cívico Militar Bolivariana.

“Inimigo dos trabalhadores no mundo inteiro” foi como o presidente da CUT, João Felício, classificou Bush. “Ele não tem o direito de dizer como devemos nos organizar politicamente.” João Paulo, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra e da Via Campesina, disse que o Brasil tem versões camufladas do presidente americano: “Nossos Bushs são os Bornhausens e Alckmins da vida.”

O advogado de defesa, João Roberto Cavalcanti, disse que sua presença não simbolizava uma concessão aos Estados Unidos, mas uma homenagem à Justiça. “Todos temos o direito de nos defender. Até Bush”, discursou. Sua linha de raciocínio pregava que “todos os imperialismos são ruins” e, por isso, é precipitado julgar isoladamente o “imperialismo de Bush”. Lida a peça acusatória, o promotor, Morse Lyra, procurador em Recife, quebrou o protocolo. A fim de enfatizar seu compromisso com as lutas de resistência, tirou o terno e abriu a camisa, mostrando a camiseta que vestia, com a estampa de Ernesto “Che” Guevara. Também pôs uma boina à moda do guerrilheiro argentino, que triunfou na Revolução Cubana de 1959.

No final, o corpo de jurados, com representantes das entidades nacionais que organizam o Tribunal, condenou George W. Bush pela prática de 15 crimes, como a “invasão e subseqüente ocupação e recolonização do Iraque, num flagrante desrespeito à soberania e a vontade do povo iraquiano e numa grave violação do direito internacional” Os aplausos finais do público ratificaram a proposta de resistência e combate a seu governo. A sentença final vai ser encaminhada à Organização das Nações Unidas e ao Tribunal Penal Internacional, em Haia.

Na avaliação de Socorro Gomes, os dois objetivos políticos do ato foram cumpridos. Um desses objetivos, de acordo com a presidente do Cebrapaz, era “fazer a denúncia vigorosa do imperialismo, da guerra e da política americana de destruição e pilhagem. Os Estados Unidos são uma ameaça à humanidade toda, em especial o Afeganistão e o Iraque — e, agora, Síria e Irã.”

O fortalecimento de “uma corrente política e cultural antiimperialista, contra a guerra e pela paz” foi o segundo objetivo cumprido no Tribunal. “Esse evento demonstra a sensibilidade e a sintonia de todos os movimentos sociais que aderiram à causa contra a guerra”, diz Socorro, que também destacou a participação das testemunhas especiais de vários países — Venezuela, Cuba, Palestina: “É uma causa ampla, que só não interessa a Bush e seus asseclas, com sua política imperialista e genocida.”

Confira os participantes do Tribunal dos Povos

– Presidente do Tribunal:
François Houtart (sacerdote e sociólogo belga, que representou o Tribunal Internacional dos Povos, para a instalação da sessão brasileira do Tribunal).
– Promotor: Dr. Morse Lyra (advogado e procurador na cidade de Recife).
– Assistente da Promotoria: Dr. Gilberto Marques (advogado criminalista de Recife).
– Advogado de defesa: Dr. José Roberto Cavalcanti (advogado de Recife).
– Testemunhas de Acusação: Adriana Perez (cubana, esposa de um dos cinco patriotas cubanos presos pelos Estados Unidos); Fawzi El-Mashni (palestino); Héctor Herrera Jiménez (tenente-coronel da Frente Cívico Militar da Venezuela); Gustavo Petta (presidente da União Nacional dos Estudantes); João Felício (presidente da Central Única dos Trabalhadores); e João Paulo (do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
– Corpo de Jurados: Alexandre Santos (Academia Nordestina de Letras); Edson Severiano (membro da executiva Central Geral dos Trabalhadores); Terezinha Braga (do Centro Brasileiro de Solidariedade e de Luta pela Paz); Wander Geraldo (presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores); Aristides Santos (da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura); Wellington Teixeira Gomes (membro da executiva da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino); Flávio Jorge (coordenador-geral da Coordenação Nacional das Entidades Negras); Osnaldo Moraes (membro da executiva da Federação Nacional dos Jornalistas); Héder Murari Borba (presidente da Federação Nacional dos Médicos); Ramon Cardona (secretário das Américas na Federação Sindical Mundial); Vital Correia de Araújo (da União Brasileira de Escritores); Thiago Franco (da União Brasileira de Estudantes Secundaristas); Liége Rocha (da União Brasileira de Mulheres); Marcelo Gavião (da União da Juventude Socialista); e Edson França (membro da executiva da União dos Negros pela Igualdade).

Leia a sentença final do julgamento

Reunido em Recife, capital de Pernambuco, no nordeste brasileiro, no dia 21 de abril de 2006, dia da morte do herói brasileiro das lutas republicanas e indepedentistas da inconfidência mineira, Joaquim José da Silva Xavier,  Tiradentes, por ocasião da realização do II Fórum Social Brasileiro, o Tribunal dos Povos, instalado com a finalidade de julgar os crimes de guerra dos Estados Unidos, em especial no atual mandato do presidente daquele país, George W. Bush, decide:

1 – Condenar energicamente o Sr. George W. Bush, presidente dos Estados Unidos como criminoso de guerra, pela invasão e subseqüente ocupação e recolonização do Iraque, num flagrante desrespeito à soberania e a vontade do povo iraquiano e numa grave violação do direito internacional;

2 – Condenar as tropas de ocupação do Iraque por crimes contra a população civil do Iraque. A tática utilizada pelas tropas de ocupação do Iraque tem sido a de criar um clima de medo e terror entre a população iraquiana, sendo freqüentes os bombardeios de residências e outras instalações civis, resultando em milhares de mortes de inocentes, inclusive de crianças;

3 – Condenar a prática de torturas e de tratamentos cruéis e degradantes que são praticados sistematicamente pelas forças de ocupação do Iraque – e também no Afeganistão – contra os prisioneiros, em Centros de torturas, como prisões “secretas” no leste da Europa e na Base de Guantânamo;

4 – Condenar os governos dos Estados Unidos e de seus aliados pelo saque dos recursos naturais iraquianos, sobretudo o petróleo; pelas fraudes e corrupção nas atribuições de “indenizações de guerra” e nos valiosos contratos de “reconstrução” do país, com a participação inclusive de altas autoridades do governo dos Estados Unidos; pela destruição da infra-estrutura física e econômica do país, arrasada com a ocupação; pela política econômica ultra-neoliberal imposta pela administração colonial no Iraque, o que faz do país uma cobaia para experimentos de formas radicais dessas políticas; pela intensa perseguição da intelectualidade iraquiana;

5 – Condenar o saque e a pilhagem do vasto e rico patrimônio cultural iraquiano, constituído através de séculos nesta que é uma das regiões há mais tempo habitada no mundo;

6 – Apoiar a decisão da ampla maioria dos governos da América Latina, inclusive do governo brasileiro, de se opor à guerra e à invasão do Iraque, e apela a estes governos que sigam defendendo nos fóruns internacionais, em especial na Organização das Nações Unidas (ONU), o pleno restabelecimento da soberania do Iraque;

7 – Apela aos organismos internacionais, em especial às Organizações das Nações Unidas (ONU) e ao Tribunal Penal Internacional que instalem um Tribunal formal para a realização do julgamento desses crimes contra o povo iraquiano por parte dos Estados Unidos e seus aliados, com responsabilidade criminal central do Sr. George W. Bush, segundo as leis internacionais;

8 – Exige a imediata saída das tropas de ocupação instaladas no Iraque, para o pleno restabelecimento da soberania do país;

9 – Solidariza-se com a resistência patriótica e popular iraquiana à ocupação imperialista; reconhece o legítimo direito à utilização por parte do povo iraquiano das formas de luta de resistência, consagradas e legitimadas inclusive pelas normas vigentes do direito internacional; defende a concessão imediata de anistia a todos os presos políticos iraquianos, com o restabelecimento imediato de seus direitos políticos e civis;

10 – Da mesma forma que nos termos anteriores, referentes ao Iraque, solidariza-se com o povo do Afeganistão e exige a imediata retirada das tropas de ocupação imperialista do país e o pleno restabelecimento da soberania afegã;

11 – Solidariza-se com o povo palestino e com a Autoridade Nacional Palestina (ANP) em sua luta pela soberania nacional e pela constituição plena do Estado Nacional Palestino em harmonia com a existência de Israel; denuncia o estabelecimento do embargo à Autoridade Nacional Palestina (ANP) por parte dos Estados Unidos e da União Européia em virtude dos resultados eleitorais naquele país, o que é demonstração inequívoca da falácia e hipocrisia da retórica vazia do imperialismo norte-americano e europeu sobre a “expansão” da “democracia” no Oriente Médio e no mundo;

12 – Solidariza-se com o povo cubano, exemplo mais duradouro das ameaças e ingerências do imperialismo norte-americano na América Latina, através de um criminoso bloqueio econômico em vigor há mais de quatro décadas; exige a imediata e incondicional libertação dos cinco patriotas cubanos presos nos Estados Unidos por lutarem contra ameaças terroristas à sua pátria;

13 – Solidariza-se com o povo da Venezuela e com o presidente Hugo Chavez, que conduzem a experiência da revolução bolivariana e da construção do “socialismo do século XXI”; denuncia as ameaças de agressão militar e econômica do imperialismo norte-americano contra esse país;

14 – Solidariza-se com o povo iraniano, país vizinho do Iraque ocupado e sob ameaças explicitas de agressão militar e nuclear dos Estados Unidos, pelo que, condena essas ameaças e reconhece o direito desse país desenvolver seu programa nuclear com fins pacíficos;

15 – Denuncia o cerco militar às fronteiras brasileiras, em especial na Amazônia, por bases militares dos Estados Unidos, conclamando o povo e o governo brasileiro a exigir o fechamento dessas bases militares que ameaçam nossa soberania e integridade territorial brasileira, como a Base de Manta, no Equador; o Plano Colômbia, que este Tribunal denuncia e as ameaças de instalação de uma base militar no Paraguai, próxima à tríplice fronteira entre Paraguai, do Brasil e da Argentina;

Recife, 21 de abril de 2006

O Tribunal dos Povos

Por André Cintra,
enviado especial a Recife (PE).
Colaboração de Joana Rozowykwiat.