Lincoln Secco: O Eleitor de Lula e os “Intelectuais”

Por Lincoln Secco*

Quem vota em Lula? As enquetes dos órgãos de pesquisa nos informam de que se trata dos situados na parte baixa da pirâmide social e regionalmente concentrados no Nordeste. A leitur

Afinal, o que queria a grande imprensa escrita? A resposta não está num mero preconceito de classe. É verdade que é chique pertencer a uma esquerda que não disputa o poder e jamais se "corrompe". Mas há muito que os intelectuais de classe média desacreditam na existência de classes sociais reais. Eles têm valores, decerto, e os jornais e revistas precisam vender tais valores. A conjunção de interesses reside no fato de que a opinião pública formada pela imprensa escrita no Brasil não é a das classes mais desprotegidas, e sim a das próprias camadas médias e superiores.
Mas aqui reside o busílis da questão, como diria o saudoso Florestan Fernandes. O erro de análise da oposição (política e intelectual) a Lula está no fato de que ela liga o acesso às notícias de jornais com o grau de consciência política dos eleitores. Esse erro advém de uma prisão ideológica: confunde-se positivamente (emprego o termo de propósito) o teor do noticiário com a verdade dos fatos, quando estes, os fatos, são socialmente construídos de acordo com as inclinações subjacentes ao comportamento considerado mais funcional para a reprodução de interesses materiais bem definidos.
Esses interesses não são necessariamente os das classes dominantes e às vezes nem mesmo os dos grupos políticos da direita. São em primeiro lugar os interesses empresariais dos órgãos de imprensa. A crise política de 2005, transmutada em debate moral, serviu muito aos seus interesses. Serviu também à oposição, porém menos. Porque os partidos políticos, de fato, também fazem parte do terreno da política que foi desmoralizado; enquanto a mídia aparece não só acima das classes, mas também dos partidos. Portanto, também não há identidade imediata de interesses entre os grupos de oposição e a grande imprensa, como pensa a direção do PT.
Isto explica o fato de que a crise política alegrou depressa demais a oposição e causou uma crise psicológica rápida demais nos militantes de esquerda. É porque ambos partilham o mundo da imprensa escrita.
Ora, os valores políticos (não pessoais) de consumo das camadas médias são predominantemente morais e os dos intelectuais tradicionais (estudantes, professores, escritores) são simbólicos.
Por isso, os jornais os difundem, já que se vendem para este público, seja à direita ou à esquerda. Já as classes desprotegidas querem, em primeiro lugar, proteção econômica. Se Lula aparece como o único governante que estendeu o pagamento de benefícios sociais, ele é preferível aos outros. Este raciocínio é simples, mas não é simplista.
Os políticos de oposição cometem um erro sério ao considerar este voto resultado de uma decisão primitiva, pré-política. Nada mais consciente do que uma atitude que leva em consideração interesses materiais líquidos e certos. E nada mais inconsciente do que o voto abstrato do ódio moral.
Há um evidente recorte de classe no eleitorado do PT e dos demais partidos. O que não significa dizer que Lula e seu partido representam de fato os interesses finais da classe trabalhadora, como gostavam de falar os autores do “Manifesto Comunista”. Mas eles representam a consciência realmente existente dos trabalhadores brasileiros.
* Professor do Departamento
de História da USP, autor do
 livro “Gramsci e o Brasil”