OIT reconhece neoliberalismo como responsável pelo trabalho “indecente”

A discussão na Reunião Regional da OIT, que encerrou nesta sexta-feira (5), em Brasília, foi centrada na forte crítica às medidas neoliberais das décadas de 1980 e 1990, que levaram à pobreza do povo e demonstrou se

Para João Batista Lemos, presidente da Corrente Sindical Classista (CSC), que participa pela primeira vez da reunião da OIT, "a unidade neste fórum é pela valorização do trabalho, que não passa pelo modelo neoliberal e precisa da intervenção do Estado", resumiu.

Ele destaca que "isso tem levado a explosões de mudanças, sobretudo na América Latina", acrescentando que "a revolta popular tem se traduzido em vitórias da esquerda nos países da América Latina como Bolívia, Uruguai, Argentina, Brasil e Venezuela".

Recomposição do Estado

Existe consenso no movimento sindical de que o livre mercado vai levar a mais precarização, por isso os trabalhadores apresentaram a proposta de intervenção maior do Estado. Batista destaca como um avanço o consenso de que só a retomada do crescimento econômico não é suficiente para repor os postos de trabalho. "Tem que recompor o papel do Estado para garantir políticas públicas de valorização do trabalho decente.

A preocupação da luta pela valorização do trabalho chegou a OIT, fórum de discussão tripartide, que reúne governos, trabalhadores e empregadores, segundo Batista "para amenizar essas contradições e evitar revolta popular".

Causa e efeito

A característica de fórum tripartide não permite unidade de pensamento, destaca o sindicalista brasileiro, impedindo inclusive a discussão sobre quem são os responsáveis, "que são os empresários e os governos anti-populares, que o povo da América Latina quer mudar", afirmou.
 

Ele fez críticas ao fato de não ter sido aprofundado o debate sobre questões fundamentais como redução da jornada de trabalho sem redução de salário, contenção de hora-extra e banco de horas que é forma de flexibilizar a jornada de trabalho no comércio.

Batista também faz coro as críticas de todos os representantes dos trabalhadores de que as várias convenções não são aplicadas porque não há medidas e controle para aplicar.

Teses reforçadas

A análise do líder sindical brasileiro é compartilhada pelos companheiros dos outros países, que reforçam a idéia de que nessas décadas de neoliberalismo se depreciou o trabalho, com flexibilização dos direitos e desemprego. "O neoliberalismo, com o processo de privatização, acabou com as economias nacionais, priorizando o investimento no capital financeiro ao invés do setor produtivo, que levou a precarização do trabalho", afirma Batista.

Rubén Dario Molina, diretor de Relações Internacionais do Ministério do Trabalho da Venezuela, amplia a discussão para necessidade de trabalho decente e digno. Segundo ele, decente está de acordo com as normas estabelecidas pela OIT e digno é caraterística intrínseca do ser humano.

Ele diz que a discussão deve ser contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), idealizada pelos Estados Unidos, que quer enriquecer grandes empresas, que ameaçam o meio ambiente e exploram mão de obra; e parte da discussão sobre a integração entre trabalhadores, empregadores e o povo.

Para Molina, "as políticas públicas devem ter como foco a pessoa humana, com ênfase na saúde e educação. Ele reconhece as dificuldades de aplicação das recomendações da OIT, mas destaca que "elas são importantes sob o ponto de vista político e moral".

Crítica aos empresários

José Gregorio Ibarra, presidente da Central Unitária de Trabajadores de Venezuela, disse que "a preocupação do fórum foi discutir os meios de garantir segurança social e trabalho estável, porque os governos dizem eufemisticamente que criam postos de trabalho, mas não é suficiente". Segundo definição dele, "trabalho decente é aquele em que se goza de seguridade social, salários digno e estabilidade".

Ibarra critica a posição dos empresários que não aplicam as normas da OIT e ficam na impunidade, porque a organização não tem poder de sanções. Ele diz que muitos empresários alegam que os governos não assinam as normas e tratados da OIT, mas destacou que "o empresário sério não precisa esperar que o seu governo assine para cumprir as normas".

Alfonso Velásquez Rico, da CUT Colômbia e membro do Partido Comunista colombiano, como fez questão de frisar, também fez críticas à aplicabilidade das normas da OIT. Ele reconhece como importante a discussão do tema pela OIT, mas se queixa de que "a organização aconselha, recomenda, persuade, mas não obriga, as sanções são de natureza moral".

Sindicalistas mortos

Para ele, "quem vai mudar esse estado de coisa somos nós, trabalhadores, tomando em nossas mãos a decisão de colocar no poder governos progressistas", afirmou. Rico defende a "democracia popular para fazer defesa dos trabalhadores e estabelecer garantias" e indica como um dos meios para se alcançar esse estágio fortalecer o movimento sindical para que altere essa realidade.

Ele também fez queixa da situação do seu País aonde, "além da descompensação entre demanda e oferta de trabalho, que resulta em contratos de trabalho sem direitos – flexibilização, terceirização, desemprego e empobrecimento popular, o país vive situação de violência que já resultou na morte de milhares de líderes sindicais".

Ele diz que 97% dos casos de crime de morte de sindicalistas ficam na impunidade e que são presos os executores, mas não se chega aos autores intelectuais dos crimes. E denuncia: "o movimento sindical está amedrontado na Colômbia porque existe processo de estigmatização dos sindicalista pelas oligarquias e pela mídia".

Também as palavras de Ramon Cardona, presidente da Federação Sindical Mundial, de Cuba, corroboram com os demais representantes dos trabalhadores. Ele, que fez questão de destacar as relações fraternas que mantém com a CSC, diz que "o texto final recebe a aprovação da Federação porque reconhece que existem anseios dos trabalhadores que precisam ser atendidos e que os princípios deve ser de paz com justiça social, que não existe por causa do modelo neoliberal", afirmou.

Ele também ressaltou que essa ansiedade dos trabalhadores "tem se refletido nas eleições da América Latina, que querem fortalecer o Estado que seja comprometido com os trabalhadores para aplicar políticas públicas de defesa dos interesses dos trabalhadores". O líder considera o fórum e as discussões positivas, mas também ele alerta para luta que deve ser travada para que as decisões sejam colocadas em prática.

Encerramento

O diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Juan Somavia, encerrou, nesta sexta-feira (5) a XVI Reunião Regional Americana, que começou em Brasília no último dia 3 de maio, reunindo delegações de 35 países. A solenidade de encerramento da Reunião, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, contou com a presença do ministro do Trabalho brasileiro, Luiz Marinho, e do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

A XVI Reunião Regional Americana teve como tema uma Agenda Hemisférica para o Trabalho Decente e durante os três dias do evento os representantes de governos, empregadores e trabalhadores discutiram as ações possíveis e estabeleceram metas para a redução do déficit de trabalho decente na região nos próximos 10 anos.

De Brasília

Márcia Xavier