População sem-teto é vítima da prefeitura de São Bernardo

Por Rafael Sampaio (Carta Maior)

A Secretaria de Habitação da cidade registra 506 demolições nos últimos 150 dias. Uma ata de reunião assinada pelo secretário Ademir Silvestre registra que “há

Moradores de áreas periféricas nas cidades na região metropolitana de São Paulo sentem os ecos da "limpeza social" que atingiu a capital no ano passado. Só em São Bernardo do Campo, município da grande São Paulo, a Secretaria de Habitação e Meio Ambiente (Shama) registra 506 demolições e despejos nos últimos 150 dias. Uma ata de reunião da Shama, registrada em 17 de fevereiro e assinada por Ademir Silvestre, secretário de Habitação da cidade, registra que “existe uma orientação para que cessem as ocupações irregulares em São Bernardo” e que “as residências construídas nestas condições terão que ser removidas”.

Há semelhanças entre a política habitacional da prefeitura de São Bernardo, encabeçada por William Dib (PSB), e a “revitalização” engendrada pela prefeitura de São Paulo no ano passado, durante a gestão de José Serra (PSDB). A passividade de Serra e de sua gestão diante das ações de reintegração de posse movidas na Justiça pelos donos dos imóveis ocupados ou pelo próprio Estado levou à extinção de pelo menos cinco grandes ocupações de sem-teto na cidade. Em seis meses (janeiro a dezembro de 2005), cerca de 1.500 pessoas foram despejadas, segundo os movimentos por moradia no centro da cidade de São Paulo.

No paraíso? –
Em apenas um dia, 24 de abril, outras 1.500 pessoas foram desalojadas. Dessa vez em São Bernardo do Campo, na favela Jardim Paraíso. Os moradores armaram uma barricada de fogo na entrada da favela para tentar impedir a entrada de cerca de cem Policiais Militares do 40° Batalhão, que estavam prontos para um enfrentamento. Os ânimos se acalmaram depois que houve negociação entre os moradores e a PM. O Corpo de Bombeiros apagou a barricada, enquanto o funileiro aposentado e presidente da Associação de Moradores, Severino Calixto dos Santos, anunciava a todos os moradores que a resistência chegara ao fim.

Ele explica que não houve tempo de retirar os pertences das famílias e que entre a saída dos moradores e a demolição se passaram vinte minutos. “Os móveis, eletrodomésticos e roupas das pessoas ainda estão soterrados no entulho”. Ele revela que a ordem de reintegração de posse foi enviada na quinta-feira (20 de abril) à noite. “Foi um fim-de-semana apreensivo. As pessoas esperavam que fosse possível evitar o despejo”. A área da favela, que tem 87 mil m², assemelha-se hoje a uma zona de guerra, com escombros espalhados pelo chão, onde as crianças brincam e os adultos perambulam, desorientados.

Os únicos funcionários da prefeitura enviados à desocupação foram os responsáveis por recolher os cachorros abandonados pelos sem-teto. “Não houve qualquer assistência aos moradores do Jardim Paraíso. A grande maioria ainda não sabe o que fazer, onde morar e vasculha o lixo em busca de suas coisas”, diz Antônio Carlos da Silva, conhecido como “Toninho da Lanchonete”, vereador pelo PT em São Bernardo do Campo.

A Secretaria de Habitação concedeu entrevista por correio eletrônico à Carta Maior. Segundo a assessoria de comunicação, o despejo foi fruto de “uma ação judicial movida por empresas particulares em área particular”, e que portanto a prefeitura não pôde interferir e nem auxiliar as famílias a retirar seus bens do local. A Shama confirma a retirada dos cachorros, "uma medida de saúde pública tomada pela Secretaria". E completa, ao informar que atendeu a uma chamada para a remoção de uma senhora doente que estava dentro de uma das habitações. "Não houve outras demandas por parte dos moradores durante a reintegração de posse", explica a nota da Secretaria.

“Isso é omissão. Dizer o contrário é afrontar o bom-senso", afirma o vereador Tião Mateus (PT). Para ele, a prefeitura de William Dib, que é aliado político do PSDB no Estado, "manda derrubar casas desde o início do seu mandato”.

A ação de despejo do Jardim Paraíso foi movida pela empresa Phenix Administração e Participações, cujo proprietário reside em Ribeirão Preto. Ironicamente, o comerciante Nivaldo Gasparotto, que têm estabelecimentos no local há mais de dez anos e luta na Justiça pelo usucapião da área, havia requerido uma liminar contra a reintegração de posse, que foi expedida na noite de terça-feira (25) pelo juiz Guilherme Infante Marconi, um dia depois do despejo.

Despejos aos poucos –
Para ele, as desocupações estão sendo feitas aos poucos, para não chamar a atenção da imprensa. “Em um bairro, derrubaram 25 casas. Em outro, duzentas pessoas perderam suas moradias. No terceiro, conhecido como Parque dos Químicos, onde houve um conflito muito grande, 53 famílias ficaram desalojadas”. Ele explica que o déficit habitacional da cidade gira em torno de 50 mil moradias. “Há quase 40 favelas espalhadas por São Bernardo”.

A Secretaria de Habitação argumenta que, só em 2005, foram entregues 498 novas moradias populares na cidade. "As medidas beneficiaram diretamente 2.150 pessoas", informa a nota. "No entanto, só os moradores que estão cadastrados pela prefeitura serão atendidos".

Para a Secretaria de Habitação, construir favelas e fazer invasões na cidade tornou-se rentável para a especulação imobiliária. "Muitos dos invasores têm um endereço de origem, geralmente habitações na própria cidade de São Bernardo", informa a nota emitida pela Shama. “Eles vendem terrenos que não são de sua propriedade. E isso é ilegal”. O mesmo argumento se encontra na ata de reunião assinada por Ademir Silvestre, que diz que “o território da cidade deve ser ocupado pela população local” e que “as unidades habitacionais são construídas com dinheiro público, e alguns dos beneficiários as vendem”.

Mateus rebate essa argumentação: “há oportunistas entre os moradores das favelas, mas essa não é a regra. Quase todos são trabalhadores que não tem onde morar e são rejeitados pela prefeitura”. Francisco Florêncio, que mora no Jardim Paraíso há treze anos, perdeu todas as suas coisas com a demolição. Sua família está hospedada na casa de um vizinho. Ele afirma que sua vida foi destruída. “A prefeitura quer chamar a nós, que trabalhamos, de bandidos?".

Para a deputada estadual Ana do Carmo (PT), que acompanha o caso de São Bernardo há anos, a prefeitura se engana quando diz que “o território da cidade deve ser ocupado pela população local”, porque age com preconceito. “Como se a culpa da ocupação irregular na cidade fosse dos imigrantes”. Ela completa: "São cidadãos, votam em São Bernardo, têm o direito de ter uma moradia digna".

Os dois vereadores, Toninho e Mateus, acreditam que falta uma política habitacional que incentive a construção de moradias populares para a cidade. “Existem iniciativas da CDHU e do Ministério das Cidades, que constroem casas em parceria com a Shama”. A prefeitura confirma que não há previsão de abertura para novos programas habitacionais, mas nega que esteja negligenciando a área. "A política habitacional da Shama é fazer as urbanizações, priorizando sempre que possível manter os moradores cadastrados em suas próprias localidades".

Ana do Carmo lamenta que não haja movimentos organizados para reivindicar moradias em São Bernardo do Campo. “Nesse quesito, estamos muito mais atrasados que a capital. As pessoas não sabem a quem recorrer”. Ela cita o caso do despejo no Parque dos Químicos, que ocorreu no começo de fevereiro. “Rosângela Staurenghi, que é promotora do Meio Ambiente na cidade, acionou a prefeitura para demolir as casas de 53 famílias que supostamente foram construídas em uma área de risco”.

Segundo a deputada, os moradores pagam IPTU, têm luz e água encanada, mas mesmo assim foram despejados. "Quem fez estas instalações não foi a prefeitura? E agora eles rejeitam esses moradores, a quem forneceram infra-estrutura?" Ela informa que as manifestações na Câmara dos Vereadores foram feitas sem nenhum movimento popular organizado, por isso a tendência é que as insatisfações percam força”, explica.

A prefeitura argumenta que, apesar dos moradores pagarem IPTU, eles não têm a escritura do terreno. “As desocupações são medidas impopulares, mas é preciso fazer para evitar a especulação e os atos de má-fé com o terreno invadido”, reitera a assessora de comunicação.

Mateus explica que os cadastrados nos programas habitacionais muitas vezes são enviados a alojamentos provisórios que a prefeitura mantém em pelo menos cinco bairros da cidade. “Estes lugares deveriam abrigar de vinte a quarenta famílias, mas estão superlotados, repletos de sujeira e tornam-se moradias permanentes. Há pessoas que a faz três anos ou mais nestes locais, enquanto deveriam ter saído em no máximo seis meses”.